25.9.17

Analgia

Ontem, assim que cheguei àquele bar, os ecos de você me paralisaram na porta. Ecos, reflexos tolos que se apreendem por aí.
As pessoas que amam seu lado A não entendem o lado B. As que conhecem seu lado B detestam o lado A. Tão careta. Elas são planas e óbvias, todas elas, e você se sente sozinho. Vagando sozinho nessa jornada que é a vida.
Não adiantam sua popularidade ou seus muitos convites para inúmeros eventos no mesmo dia e no mesmo horário, alegorias em pedidos de fotos que devotam um personagem de você que tudo que diz de você é nada do que você é. E talvez você odeie a repetição pronominal na sentença anterior. E toda a cacofonia.
Acontece que não há nada no mundo que te compreenda ou minimamente tente. Os livros, talvez.
Constato esta fatal realidade e vago. Vago pelas ruas com alguma bebida na mão. Risos e vozes passam em flashes de cor. Eles são iguais, eles são todos iguais, repito para mim. Há muitos mundos mais do que a obviedade humana permite viver, e você só vai conseguir vivê-los assim, em fronteiras, sozinho. Porque foi este o decreto.
Constato, apenas constato. E vago. São rostos e estardalhaços. São também possibilidades e propostas. Mas nada te interessa.

E talvez ler este texto te irrite, como tudo que escrevo, dado meu pretenso sólido conhecimento de você, mas no final talvez veja que só falo de mim.
Constato, é só o que faço, que tempos sombrios se dissipam, mas a massa amorfa do desinteresse é perene. E no final das contas, sua efusão excessiva revela pura analgia.
Pensei que morar em um bairro residencial e bucólico me desse paz, ou no Centro da cidade, me torturasse com excessos. Bobagem. Sou inerte, sou anestesiado, sou completamente indiferente. Dizem que isso é bom, quem não ama também não sente dor. Falácia. Vago e constato que as multidões de vazios só fazem a cada dia mais me sufocar o peito.
Todos esses flashes me vieram naquele único flash, você estufando o peito com seu sorriso torto tão artificial para uma foto de felicidades alheias e vulgares, para toda uma cena que te constitui e, no entanto, cada vez menos é você. Ou me engano? Senti mais do mesmo: o dilaceramento de viver com alma, uma sutileza que podíamos compartilhar. Mas eu odeio condicionais. Fui embora.

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