25.9.17

Carta a um amor não correspondido

Não é falta de educação. Não é raiva, não é mágoa. Não é sequer implicância ou desejo de chamar sua atenção. Eu só estou tentando aprender a conviver com tudo isso. Essas coisas simplesmente acontecem, você mesmo disse.
Aconteceu para mim, e, para você, não. 

Aconteceu quando eu te vi. Eu não esperava. Eu não queria. Aconteceu quando você me deu “bom-dia”, embora você prefira sem hífen. Eu não sabia quem você era, eu sequer sabia o seu nome ou o que quer que seja.
Mas simplesmente aconteceu. Isso não faz sentido algum, não é mesmo? É uma insanidade. E louca é tudo o que me sinto perto de você e a respeito de tudo isso. Louca e idiota, sem saber minimamente como agir. E eu preciso saber como agir, porque nossas vidas, ironicamente, nos levaram a nos encontrar com certa frequência. A ter que nos encontrar com certa frequência, aliás.
Eu ainda não consigo ficar indiferente. Eu ainda não consigo sequer fingir que estou indiferente. Mas, acredite, eu estou tentando. Estou tentando passar por cima. Eu estou tentando também esquecer você, embora, acredito, ter você tão presente na minha vida dificulte um pouco as coisas. (Ou esse é só o motivo que arranjo para colocar a culpa do fato de até hoje o seu toque ainda não ter ido embora. Nem o cheiro do seu cabelo. Nem sua voz que palataliza fonemas não palatais. Nem sua maneira de ajeitar os óculos. Nem…)
Eu tive muitas fases e tentei passar por cima disso de diversas formas. De uns tempos para cá, eu aceitei, apenas. E estou aprendendo a conviver com isso. A gente não deixa de gostar de uma pessoa de uma hora para outra, você sabe muito bem disso. Você também ainda ama uma pessoa do passado. Você também ainda ama uma pessoa apesar de tudo. Apesar de essa pessoa não ter feito nada. É isso, você não fez nada.
Eu não te culpo, isso seria tão ridículo! Você sempre foi tão dolorosamente sincero. Eu admiro isso, essa é uma qualidade quase inexistente de tão rara. Não, definitivamente, não tenho nenhum tipo de mágoa. Só é difícil mesmo lidar com isso, ter que te ver e agir como se fosse nada, quando dentro de mim tudo grita e me dilacera.
Se eu pudesse, acredite, não te veria nunca mais. E eu pensei por muito tempo em fazer isso, mas não dava. Eu não podia e não queria por motivos outros, que dizem respeito à minha vida e ao meu trabalho. Foi um conflito, mas acho que você entende quando digo que não tive opção, tive que aceitar o que a vida me impôs: ter que conviver, ainda que esporadicamente, com você.
Eu pensei em mudar de profissão, de estado, queria. Mas sabia que nada adiantaria, a menos que eu conseguisse me mudar de mim. Se eu pudesse, não teria seu nome nos meus e-mails e na minha estante. Se eu pudesse, evitaria que um desavisado falasse de você para mim, do nada.
Eu estou aprendendo ainda a conviver com tudo isso. Eu continuo tentando. E eu me conformei, na verdade. É tão estranho, sabia? O tempo leva todas as coisas, eu sei. E o tempo também vai levar você. Eu sei que um dia eu não vou mais gostar de você. Eu sei que um dia isso vai ser engraçado, e vai ficar restrito às coisas que escrevo. Eu sei que um dia eu vou te esquecer, eu sei que um dia eu vou gostar de outra(s) pessoa(s), é assim que a vida funciona. “O paradoxo bênção/maldição da vida…” Mas eu sinto como se depois de você nada mais vá ser real. Porque foi/é tudo tão bizarramente forte e sem sentido, que qualquer coisa daqui para frente vai soar como uma mentira. Como um tipo de plano B, entende?
Qualquer pessoa que aparecer no meu caminho depois de você estará em um espaço que só existe porque você não está comigo, ou, do contrário, essa abertura jamais existiria. Porque é um espaço que é seu. Mas, agora, é vazio. E vai ser vazio para sempre se não for você. Eu estou aprendendo a conviver com isso, eu estou mesmo.
No início, eu tentei a fuga por excelência, me afundar em trabalho. Mas que ironia! Mais uma, de tantas. Como fugir assim, se em cada vírgula você está presente? Em cada padronização metódica, chata, exigente e cheia de TOC. Cada emenda que eu faço é você. Cada tradução “experta”. Cada meia-risca que eu troco para travessão é você. Cada maldita vírgula de estilo, que eu detesto. Você está presente no meu trabalho e também no meu lazer, nos meus gostos. Nos lugares que eu vou ou nos que evito ir. Você está nas minhas idas à Zona Sul, e também à Zona Norte. Você está no Arpoador e na Praça da Bandeira. Você está presente em todos os lugares. E, no entanto, você não está em nenhum deles.
Você nunca esteve. Você nunca vai estar.
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Todos os videntes têm razão (Livro 3). 
Originalmente publicado em Sensations. Curta.

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