25.9.17

Desejo da noite (na taverna)

A editora em que eu trabalhava estava cada vez mais pitoresca na captação de novos autores. Meu chefe me fez uma designação no mínimo inusitada. O autor que lançaríamos no mês seguinte seria nada menas que Álvares de Azevedo. Sem querer ser indelicada, tentei explicar para o meu chefe que havia um pequeno detalhe que nos impediria de publicá-lo.

– Chefão da porra, estamos diante de uma impossibilidade.
– Tá maluca, Valentina?! Vamos editar Álvares de Azevedo e tenho dito. Já até começamos a divulgar.
– Olha, tem um porém que vai ser muito difícil ultrapassarmos. Impossível, impossível mesmo.
– Qual, nobre manceba?
– Ele já foi editado. E soube que tem contrato de exclusividade.
– Grande merda. Vai no São João Batista hoje mesmo e conversa com ele. Vai ver ele fez algo novo no além.
– Ok…
– Aproveita e leva um despacho que vou arriar pra minha ex.
– Oh, céus…
– Vira as rosas pro leste. Pro leste, hein, faz direito, malandra!
Acatei as ordens do meu chefe, eu era uma reles produtora editorial, e rumei na calada da madrugada para a missão. Outros editores mais experientes me mandaram levar três champanhes e um vinho cantina da serra para facilitar a abordagem. As champanhes eram a oferenda, o vinho era pra mim, pra ficar preparada pro que estava prestes a acontecer, ninguém ia investir em bebida de alta qualidade pra mim, né? E a gente abraça o que vem.
Comecei os trabalhos de invocação de Álvares, muito soneto com métrica decassílaba, muita necrofilia – e um fundinho de sacanagem, né?! -, mais de litro de álcool já tinha ido goela abaixo e na tumba quando senti alguém atrás de mim. Ótimo, tinha dado certo! Sou precavida, tinha já levado até o contrato, assinou, já era, parça.
Virei, e fiquei muito frustrada com o que vi. Não era Álvares de Azevedo, era só um cara qualquer, vivo. Fiquei em negação.
– Que porra é essa?
– Oi, meu nome é Inception.
– Você está… vivo?
– O que é a vida, o que é a morte?
Anão! Eu devo ter vilipendiado túmulo de algum escritor pra merecer isso, só pode! O cara não só estava vivo, como estava tendo uma puta crise existencial!
– O que você tá fazendo aqui? Se for editor também, esse autor já é meu, ok?
– Sou apenas um punheteiro gótico suave, que aprecia se embebedar no clima lúgubre e telúrico de um cemitério na madrugada.
– Faça-me o favor!
– Se quiser compartilhar…
Disse ele, me oferecendo uma taça de vinho. Dessa vez era um vinho de verdade, vinho Surpresa misturado com inúmeros entorpecentes de procedência duvidosa. Uma iguaria perto do que antes tinha tocado esses meus fuleiros lábios. Ele disse que o drink no inferno atendia pela alcunha de menstruação. Achei interessante, sou dada a um vampirismo, tenho um lado trevosinho. Então reparei o quanto ele era sexy. Tinha a pele como a da Credis, minha parafilia, longos cabelos negros, um pouco ressecados pelo reboco da obra em que trabalhava, mas relevei. Relevei até a camisa do Fresno que ele usava.
Brindamos, enquanto ele percorria suas habilidosas mãos de Emppu Vuorinen pelo meu corpo, demonstrando um talento nunca d’antes concebido. Inception me levou à loucura e a uma noite na taverna delirante. Lá, encontrei Álvares. O puto estava enchendo a cara. Não fecho com Freixo, então fechei com Álvares, meu chefão da porra tinha razão. Terminei de acertar os detalhes com ele.
Inception me esperou pacientemente cantando Evenfall. Ele tinha achado o espelho que estava no despacho que levei a pedido do meu chefe, e estava treinando para ser cover da Vibeke Stene. Entendi porque cultivava aquelas longas madeixas negras como a asa da graúna, ele tinha mesmo lábios de mel, mas virgem eram outrora somente os prazeres sexuais que ele agora me proporcionava.
Despachei Álvares, não sem antes escrever com ele um soneto bem trevosão (ah, gente, eu não ia perder essa oportunidade!) sobre amor-morte-álcool, as três melhores coisas da vida (embora as três, no fundo, sejam morte… como a própria vida…) depois daquelas outras três: dormir e comer. Então me rendi aos braços de Inception. Aumentamos o volume do Lacuna que tocava, e escolhemos a tumba com as gárgulas mais chamativas.
Me escorei na gárgula, confesso que eu quase caí do jazigo, e essa alma não me ajuda, já trouxe a vigésima alucinação, enquanto levava as estocadas de Inception. Gozei tão loucamente que o riacho que de mim escorria levou várias oferendas, tomara que o santo não tenha se ofendido.
Mais um amanhecer chega, e, com ele, a depressão. Inception me beijou profundamente… E foice. Sabia! Com aquele talento, ele não podia mesmo ser desse mundo. Era somente um delírio, um desejo da noite, um sonho de uma noite de verão.

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