25.9.17

003




Ele era lindo demais, devia ter por volta dos seus quarenta anos. Eu tinha dez.
A voz dele mexia comigo. Mas, não, não era a voz. Talvez o olhar penetrante, os cabelos de príncipe. Aura de príncipe era o que aquele homem tinha. Eu cresci com o que minha mãe chamava de complexo de Cinderela. Ela relatava que sempre tentou tirar aquilo de mim: “Olha essa história aqui, é bem mais legal, não é?”, ao que eu dizia para todas: “Não, a que eu mais gosto é a da Cinderela”.
Pobre mãe. Ser mãe não é fácil.
Principalmente quando a filha só sossegava se ouvisse Bach. Sim, Johann Sebastian Bach, o próprio. A pobre mãe relata que ela tentava de tudo, de Xuxa a outros compositores instrumentais – já começava a acreditar em reencarnação e vai que a filha, vulgo eu, era uma alma daquelas, bem decrépita? Com o tal “complexo de Cinderela” devidamente instalado, não era difícil acreditar nessa versão. Bach era o que me fazia voltar ao sossego, após os muitos arroubos de paixão por ele, o meu príncipe quarentão.
Nossos encontros eram o que se espera para um envolvimento entre uma criança de dez anos e um homem adulto: eu me arrumava toda, ansiosa, coração na boca, só para vê-lo, ele sequer sabia da minha existência. Olhinhos brilhantes e coração na mão. Aguenta, coração! Todos os dias seguiam esse ritual, até perfume passava. Cada dia tinha que ser uma roupa diferente, é claro. Já pronta, eu voltava a fita, e a colocava no Philco-Hitachi para esperá-lo, majestoso naquele vídeo gravado de um de seus shows, reproduzido inúmeras vezes dia após dia.
A primeira paixão da minha vida foi o José Augusto.

Cem homens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário