25.9.17

O que foi sem nunca ter sido

Ele me surgiu como as melhores coisas da vida, sem dar aviso. Como se tivesse sido condensado do ar, de algo que já estava lá e só me faltava perceber. Bom dia. (Ou seria bom-dia?) Foram as palavras que trocamos. Tive que virar a cabeça e olhar de novo. Nossa, pensei. Foram poucos segundos. Suficientes para minha mente formar aquela combinação de tatuagens, músculos, cabelo comprido, óculos e sardas. Puta merda. Óculos e sardas. Puta merda, puta merda! Para de olhar, cacete, você veio para uma entrevista de emprego, você está maluca?!, minhas muitas eus em guerra dentro de mim.

Republicanamente, desviei. Mas a imagem dele não saiu mais da minha cabeça por nem um segundo. Nem o facebook, paraíso dos stalkers da pós-modernidade, me deu alento naquele dia, eu nem sabia o nome dele.
Fiquei pensando em como faria para descobrir sendo discreta, mas não precisei de muito, meu chefe falava bastante dele – e em todas as referências eu me mantinha impávida, não queria dar nenhum tipo de bandeira, e tinha certeza de que minha cara denunciaria alguma coisa… – e aquele nome ficou ecoando na minha mente. Não era comum, eu conseguiria achar alguma coisa.
Aquele dia eu fui direto para o trabalho da Credis, já tinha comentado dele com ela – assim que o vi, mandei uma mensagem para ela no whatsapp, ah, as maravilhas da era da informação, do “tudo aqui e agora” de Lipovetsky! Disse que tinha descoberto o nome dele e reviramos o facebook. Eu não tinha um sobrenome, então cacei pelo perfil da empresa, encontrei.
Aquilo foi até pior, ter material de fotos intensificava o pensamento no dito cujo. Principalmente o que veio depois: pensamentos regados a livros e rock, combinação indecente. Ele não saía da minha cabeça, toda vez que eu o via tentava não encarar muito, no embate entre meu desejo insano e minha pretensa ética, mas ele não saiu um momento de mim. Eu cheguei a sonhar com ele.
E ele nem devia saber quem eu era.
Talvez fosse óbvio que rolaria. Talvez fosse o curso natural das coisas eu ter mais material para não parar de pensar nele: toques e cheiros. Desejo de passar o dia inteiro com a cara enfiada no cabelo dele somado à sensação permanente das mãos dele em mim. E escrevo isso aqui, agora, sob o céu estrelado do Hell de Janeiro, pensando na crueldade que é sua voz na minha cabeça (e eventualmente no meu fone) e sua escova de dentes no meu banheiro.

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