25.9.17

Poeta agramatical

Cauby, uma amiga minha dona de um jornal bairrista e viciada em negão, me chamou pra cobrir um evento com ela, como fotógrafa. Minha câmera não estava boa, ela me disse para que eu não me preocupasse que teria que ser com a dela mesmo. Em lá chegando, recebi uma kodak 36 poses. Sim, de filme. Deus me livre acreditar que aquilo estava “acon te seno”, mas estava. Fiquei na entrada com a câmera enquanto ela subia pra fazer nossas credenciais. Avistei 7 dias. Um negão de 2,15m (sei que é difícil, mas esse número é real). Já me mediu inteira na minha beca puta-santa (vestido mais curto que meu orçamento a partir do dia 5, mais justo que Deus, mas com meia fina por baixo pra equilibrar), não resisti e lancei bem pedreira “boooaaaa-noooitee”, ele me cumprimentou de volta e entrou, dando severas olhadas pra trás.

Cauby veio animada. “miiniiinaaa, que negão era aquele te olhando?!”, me entregou as credenciais e entramos. 7 dias fazia parte da banda; fazendo jus ao fenótipo, batia tambor. Não tirei os “oléos” dele a noite toda. Em dado momento até dei um mole discreto pra um dançarino gostosinho, mas, assim que ele viu que eu tava de graça pro 7 dias, ficou bolado e me deu uma cortada violenta. Notei que o segurança era um negão ainda mais delícia que 7 dias, e catuquei discretamete Cauby, o que fez com que ela derrubasse o drink na minha roupa. Mas a imagem de Segurança compensou e ela foi lá desenrolar com ele.
No final da festa, exausta de tentar fazer milagre com aquela câmera e de dar mole pra 7 dias mostrando toda minha habilidade pra dança afro (vendo as foto do evento notei que a única semelhança entre qualquer coisa afro e o que eu estava fazendo era que eu me assemelhava a uma galinha de terreiro), ele finalmente veio me abordar. “Voçer tam, limda jata hadorei”. Sei que ouvindo não dava para perceber os erros, mas hoje escrevo com meu conhecimento de causa, então, podem confiar em mim, a transcrição está correta. Naquele momento, eu ainda não sabia desse pequeno desvio, só sorri empolgada e engatamos uma conversa. Cauby finalmente ressurgiu, Segurança queimava a rosca, sujando a raça, ninguém é perfeito, e 7 dias apresentou a ela um músico da banda com cara de que não dava conta, mas era o que tinha. Fomos os 4 para um bar nas proximidades.
Deixei Nãodavaconta com Cauby e arrastei 7 dias pro carro. Que pegada! De cara já senti que aquela pressão não estava pra brincadeira. Ele era todo proporcional. Pisquei. Ele me disse que o carro tinha insulfilm, não economizei nas apalpadas. Porém antes que eu pudesse ter um contato mais intenso, percebi Cauby batendo no vidro. “Estão se comendo aí?”. Saí do carro e pude notar que o vidro não tinha porra de insulfilm nenhum. Ôôô “grória”. Voltamos para o bar e não houve mais nenhuma emoção digna de nota esta noite. 7 dias e eu passamos a manter contato por mensagens e aí fui sentindo os baques. Ele era poeta. Incansável. Não parava de me brindar com suas composições. “Mim uza pa ce seu, dez tino tinhamo, tamto limda” / “a fro mar limda é, voçe, tem um xero de cece” com muita dor no coração não me lembro de todas, mas a campeã veio uns dias depois “Thairis no, primero dia tim caoeçir no segumdo pemçei, em voçse no derceiro vim o bordossol no guarto sua imaje no, çetimo guero tim contra”. Só pude dar graças a Deus por ele ter omitido o que ocorreu em alguns dias, não sabia se chorava ou se ria.
Ironicamente, no mesmo dia, Oleoso, um amigo que estava querendo me traçar, me chamou para o aniversário de um outro amigo, na Lapa. Eu estava evitando ir à Lapa porque lá residia Gort, um ex pra quem eu estava tentando loucamente voltar sem sucesso e, nessa altura, vê-lo seria pior. Mas qual seria a chance de encontrá-lo? Sendo eu a viver a minha vida, já sabemos a resposta. Porém, confiei que aquilo não ocorreria, abri meu coração e resolvi aceitar aquele Jesus. Chamei 7 dias para ir, afinal, pessoalmente, ele era bem agradável e dava pra disfarçar aquela escrita digna de alguns colegas mais rudimentares da faculdade de Letras. Fora que eu precisava dar uma carimbada naquela piroca digníssima. Fui de peito aberto. Mas a rusticidade já começou logo quando encontrei Oleoso.
Já veio tentando me tascar um beijo na boca. No ato puxei uma fatia de pizza de calabresa acebolada e comecei a comer de boca aberta para que ele desistisse. A fatia estava ali relegada pelas pessoas que estavam na mesa antes de nós, pouco me importei, parecia mais salubre do que encarar Oleoso. Nem calor fazia, meu Deus, por que ele vivia daquele jeito? Nunca aceitei. Conheci os amigos e pareciam todos retardados. Começaram a fumar uma maconha arrumada e a situação só piorou. Eu estava irritada já, quando 7 dias chegou. Fiquei aliviada, de início, mas aquilo ali foi só a famosa “melhora da morte”, tão aplicável às derrotas da vida. Não sei se foi saudade de mim ou só a vida me zoando, mas ele me babava inteira a cada tentativa de beijo, me segurava de mau jeito e eu só me esquivava.
Sem suportar o cheiro do cachimbo da paz que já estava me deixando tonta, chamei 7 dias para uma volta, ele me tacou com força contra um carro totalmente empoeirado, o que fez minha rinite se manifestar no ato. Fui espirrar e, nessa manobra, tropecei, enfiei os dois pés em uma poça de lama, que respingou na minha calça toda, não preciso nem falar que ela era branca e que eu estava de sandália aberta. A certeza de toda sorte de contaminação pulsava em minha alma. Falei pra ele que não ia rolar e ele ficou trabalhando no convencimento, ainda queria que eu fosse pra casa dele além Santa Cruz, naquela alta madrugada.
E eu inocente, achando que nada poderia piorar (NUNCA subestimem o universo, ele encara como um desafio), vejo Gort passar. Sim, o próprio. Embora houvesse vontade de sair correndo e pular em cima dele feito louca, mal consegui me mexer na hora. Só tive aquela sensação de que o chão sumiu dos meus pés e comecei a chorar copiosamente, 7 dias ficou preocupado e acabei abrindo meu coração pra ele, que ficou tentando me consolar. Mas aquilo ali estava insustentável. Precisava ir pra casa. Encarei um táxi, o filho da puta se aproveitou do meu estado e me cobrou uma corrida fechada caríssima, ainda teve a cara de pau de comentar “você deve estar mal mesmo pra topar pagar isso só pra ir embora”. Mas, sim, ele tinha razão, eu só precisava ir pra casa. Chorei a viagem inteira. E evitei o mais que pude voltar à Lapa por muito tempo depois disso. Quanto a 7 dias, ficamos na amizade mesmo, dava mais certo.

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