3.11.17

A bota preta

E já que é seu aniversário...
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Dia desses, precisando de um texto para atualizar uma coluna e com a dupla falta de inspiração e tempo, fui procurar textos mais antigos não publicados. Vi um salvo com um nome que era uma sequência de letras aleatórias e abri para ver o que era.

Mal comecei, fechei o arquivo, não quis ler tudo. Era melhor que ficasse ali. Sufocado, com um título que não me fizesse criar associações.

O texto me trouxe coisas em que eu já não pensava; me vieram sob a forma de sensações.

Sensações daquele toque que não saía de mim, das mãos no meu quadril, do jeito tão seu de falar, do sorriso torto, das sardas na pálpebra, do cheiro de familiaridade do seu cabelo. Foi um lapso, nada mais. Quis não pensar, o que tenho conseguido todos os dias há tempos. Agir como se você não existisse, vendo magia em outras coisas. Senti. Mas mais uma vez esqueci.

Você me voltou dias depois, naquela frase que você tem tatuada e com que toda hora me deparo. Não, não doeu. Eu ri, até.

Mas você veio de novo, no outro dia. Fui contar algo para alguém e me veio certinho aquele dia, a ironia do meu pensamento sobre ter achado insuportável aquela festa a que você me levou. Aquele dia foi bizarro.

Da minha bota preta nova toda colada de bebida do chão do open bar e só Deus sabe mais o quê à garota com o nariz escorrendo pó e você a um passo de um coma alcoólico querendo bater em um cara. Não foi só isso. Teve o "pedido" da madrugada, um descuido seu proveniente de tesão e álcool, coroação do meu show de horrores. Meus segundos irreais de plenitude.

Apesar de tudo, no dia seguinte, tudo o que te falei foi everything about you, e o resto deixei calar. Como até hoje calam tantas, tantas coisas. E que diferença faria, se você sabia?

Na lembrança daquela bota imunda, me veio tudo. Como não me vem há muito tempo. Só para me mostrar que há coisas que ficam. Ficam naquela melodia, no beijo semelhante de alguém, naquele bairro, em um cheiro repentino de meados de ano. Naquela bota preta que já nem tenho mais.

Coisas que por mais que durmam, sejam trancadas ou até mudem, não podem ser definitivamente apagadas.

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