28.12.17

Simbólicos

Eu tô numa cobertura na Lúcio Costa. Eu tenho tudo, essa vista e esse cheiro de quem possui todas as coisas mesmo. As pessoas me falam que tenho tudo “o que um homem deseja” e coisas do tipo, e sei tanto o quanto isso é uma verdade. Sou assim irretocável. Estou onde sempre quis estar. Exatamente do jeito quê. Tenho até aquele tipo de emprego dos sonhos, aquele que você tem medo de falar e invejarem até seus cabelos caírem. E eu não deveria me preocupar, os meus cabelos são assim tão perfeitos.

Mas eu preferia estar agora dividindo aquela dependência minúscula no centro de São Gonçalo, só pra ter de volta o que fomos um dia. Preferia estar comendo pizza na sala vendo GoT – coisa que eu detesto, mas era com você. Preferia aquele colchão de solteiro socado entre uma estante e um arremedo de mesa. Preferia dormir 4 horas por dia. Eu acordava todos os dias sorrindo, sabia? Porque a minha felicidade por eu ser um nós com você me expulsava da cama. E tudo era bom e arte.

Preferia acordar absurdamente cedo pra dar tempo de chegar no meu trabalho bem mais ou menos, você dormindo de babar no meu ombro no ônibus, o dia ainda escuro, e eu tirando fotos pra te sacanear mais tarde e você falar é mole meio puto com meu jeito sacana e sua ausência de espírito esportivo – que eu adoro.

Chegar naquela rua que talvez seja a mais braba do Rio, mas que tinha poesia porque era junto contigo, de mãos dadas contigo, e, meu Deus, como eu era sua. Como você era meu. Na sua mão me puxando pra perto, me dando um beijo antes de um dia de trabalho. Me mandando mensagem cinco minutos depois. Dizendo que usava as lembranças comigo pra perder o sono e conseguir render no trabalho. Era tudo tão brabo e difícil pra mim naquela época, mas como eu amava. Eu era a personificação da felicidade. As pessoas me olhavam na rua e não era pelo meu corpo, era porque eu andava rindo igual idiota. Tudo fazia parte de uma realidade em que, mas que merda, você ainda estava presente.

A vida seria tão mais fácil se eu fosse uma pessoa de materiais. Vazios materiais são tão fáceis de preencher. Não é desvalorizar tudo o que tenho hoje e conquistei, tudo pelo qual sempre lutei. Muito sozinha, aliás. Mas acontece que todas as minhas conquistas só esfregam na minha cara que eu posso ter tudo. Tudinho mesmo assim que o mundo oferece, sabe? Menos você.

Acontece que eu sou uma pessoa de simbólicos. Vazios simbólicos são a definição do Triângulo das Bermudas. Esse é o pior castigo do mundo. Suas mãos, por quê?, eu as sinto. Mesmo que eu nunca tenha levado um tiro, tenho certeza de que senti-las dói mais.

Há muito que nem música nem vírgulas mais me consolam. Até mesmo porque, né?!, elas são você.

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