Encontros e desencontros, em salas de apartamentos em todas as "zonas" dessa cidade. Suas mãos em mim da primeira vez, as minhas em você da segunda. E essas sutilezas bobas de quem domina quando se percorre o caminho. Besteira mesmo, a bússola é sua.
Os sonhos, os versos, as melodias, os sussurros, as linhas nos meus desenhos. É sempre você quem comanda a pena. Seja a que escreve, seja a do veredito.
E todas aquelas conversas, cheias de intenções porcamente escondidas, sobre Bach, escalas diatônicas e amor líquido. E nossas intenções, nem tão escondidas assim, em conversas sobre assuntos que ferem, irresponsabilidades afetivas e palavras sufocadas em aeroportos.
São muitas estradas. Estradas que nos afastaram, as mesmas que, tão maldosamente sinuosas, nos colocaram frente a frente de novo. De novo meu motivo era outro, e, no entanto, você chegou marcando o território, que, tão óbvio, sempre seria seu. Sempre foi.
30.12.18
14.12.18
Marlboro Vermelho
Gaúcho não sente frio.
Você tava pelado, apoiado no peitoril fumando quando me disse isso. Eu tinha feito uma piada bem chula sobre o tamanho.
O vento gelado que invadia o quarto marcava a contradição. Carioca sente frio fácil, quaisquer 20 graus impressionam, mas do seu lado não me atingia.
O Marlboro Vermelho na sua mão era o mesmo. Suas mãos eram as mesmas. Os cenários mudavam. Eles sempre mudavam.
Você me pegando com força por trás, escorados na janela, nossa euforia muito mais frenética que a do rush da cidade lá embaixo. O cigarro na boca enquanto segurava com força meus cabelos.
A fumaça quente do Marlboro Vermelho se misturava à do clima, e ambas diluíam juntas nossos gritos, urros, uivos. Toda essa coisa animal tão nossa.
Você tava pelado, apoiado no peitoril fumando quando me disse isso. Eu tinha feito uma piada bem chula sobre o tamanho.
O vento gelado que invadia o quarto marcava a contradição. Carioca sente frio fácil, quaisquer 20 graus impressionam, mas do seu lado não me atingia.
O Marlboro Vermelho na sua mão era o mesmo. Suas mãos eram as mesmas. Os cenários mudavam. Eles sempre mudavam.
Você me pegando com força por trás, escorados na janela, nossa euforia muito mais frenética que a do rush da cidade lá embaixo. O cigarro na boca enquanto segurava com força meus cabelos.
A fumaça quente do Marlboro Vermelho se misturava à do clima, e ambas diluíam juntas nossos gritos, urros, uivos. Toda essa coisa animal tão nossa.
Fazendo as malas
Não é ego, controle ou o que quer que seja, rapaz. É a indiferença.
Nesse tipo de situação nós só temos duas opções, bem claras e distintas, e é óbvio que eu já escolhi a minha. Eu diria que você escolheu por mim, na verdade, mas, como nessas horas é muito fácil se isentar, ficamos assim.
Só que eu ainda estou fazendo as malas. No gerúndio mesmo, essas coisas são processo. Tá tudo misturado, tem muita coisa pra separar aqui. E eu nem sei se já achei tudo.
Estou escolhendo o que vou levar comigo, o que vou deixar com você, o que vou jogar fora, sem sequer te dar a oportunidade de guardar. Eu tenho esse direito, não tenho?
Essa situação não é das mais comuns, eu sei. Geralmente não temos esse tempo, as coisas acontecem bem mais de rompante.
Por um lado o rompante é bom, dizem que é assim que se arrancam curativos. Mas e se o caso é um pouco mais invasivo, quase cirúrgico, você pode simplesmente ficar sangrando aberto por aí?
Nesse tipo de situação nós só temos duas opções, bem claras e distintas, e é óbvio que eu já escolhi a minha. Eu diria que você escolheu por mim, na verdade, mas, como nessas horas é muito fácil se isentar, ficamos assim.
Só que eu ainda estou fazendo as malas. No gerúndio mesmo, essas coisas são processo. Tá tudo misturado, tem muita coisa pra separar aqui. E eu nem sei se já achei tudo.
Estou escolhendo o que vou levar comigo, o que vou deixar com você, o que vou jogar fora, sem sequer te dar a oportunidade de guardar. Eu tenho esse direito, não tenho?
Essa situação não é das mais comuns, eu sei. Geralmente não temos esse tempo, as coisas acontecem bem mais de rompante.
Por um lado o rompante é bom, dizem que é assim que se arrancam curativos. Mas e se o caso é um pouco mais invasivo, quase cirúrgico, você pode simplesmente ficar sangrando aberto por aí?
Lábia (e parênteses)
Como posso me fazer entender com essa daqui?
Bem, uma das coisas mais inusitadas sobre você talvez seja o currículo, digamos. Não todo, mas uma parte bem específica. Aquela da época em que você dava aulas de educação sexual no puteiro.
Lembro de você apelando pra todos os santos (alguns nem tão santos assim) que serviam de cobaia para as demonstrações.
Você convencia. Você sempre convencia.
E eu ria de longe das cenas. Ou talvez eu só ria na fusão de tesão e admiração por essa sua catadura um tanto tratante. Não sem certo ciúme quando alguma das "moças donzelas" se aproximava com dúvidas, claramente flertando com você. (Não, não tem como se sair dessa, nem vem.)
E pouco importa se toda a cena era só pra gente entrar de graça em todos os inferninhos da cidade e morrer de rir juntos depois, um atrapalhando o outro com alguma lembrança aleatória bem na hora que o outro começava a pegar no sono.
Bem, uma das coisas mais inusitadas sobre você talvez seja o currículo, digamos. Não todo, mas uma parte bem específica. Aquela da época em que você dava aulas de educação sexual no puteiro.
Lembro de você apelando pra todos os santos (alguns nem tão santos assim) que serviam de cobaia para as demonstrações.
Você convencia. Você sempre convencia.
E eu ria de longe das cenas. Ou talvez eu só ria na fusão de tesão e admiração por essa sua catadura um tanto tratante. Não sem certo ciúme quando alguma das "moças donzelas" se aproximava com dúvidas, claramente flertando com você. (Não, não tem como se sair dessa, nem vem.)
E pouco importa se toda a cena era só pra gente entrar de graça em todos os inferninhos da cidade e morrer de rir juntos depois, um atrapalhando o outro com alguma lembrança aleatória bem na hora que o outro começava a pegar no sono.
13.12.18
Ela era Peixes
O dia que nos conhecemos me marcou pra sempre.
Ela estava apoiada no bar brincando com o copo enquanto esperava o próximo drink, distraída. Eu perguntei se ela preferia azul ou vermelho.
Foi uma referência idiota por causa da sua tatuagem nas costas.
Os cabelos presos, tão simbólicos, mascaravam segredos. Era sua maneira de sangrar seus muros e reservas: ela não se dava.
Eu lembro das risadas fáceis, do jeito leve de caminhar, da sobrancelha inquiridora quando eu soltava alguma das minhas cantadas bem trash.
Ela era Peixes, é claro.
Ela estava apoiada no bar brincando com o copo enquanto esperava o próximo drink, distraída. Eu perguntei se ela preferia azul ou vermelho.
Foi uma referência idiota por causa da sua tatuagem nas costas.
Os cabelos presos, tão simbólicos, mascaravam segredos. Era sua maneira de sangrar seus muros e reservas: ela não se dava.
Eu lembro das risadas fáceis, do jeito leve de caminhar, da sobrancelha inquiridora quando eu soltava alguma das minhas cantadas bem trash.
Ela era Peixes, é claro.
Colocações
Disse Greimas que fora do texto não há salvação. Ou algo do tipo considerado o telefone sem fio do cacete que essas citações – traduzidas, ainda! – que ficam famosas são.
Isso tudo são clichês, aqueles inevitáveis com que nos deparamos todos os dias, como nossos óculos óbvios, cafés necessários e debates que, sem falsa modéstia, entramos pra ganhar.
Hoje eu fui naquela livraria, e me peguei pensando em coisas chatas sobre hifens mal colocados e caixas-altas tão desnecessárias. E sobre se mal colocado não deveria ser escrito junto e sobre o quanto esse plural de caixa-alta é nojento.
E ri sozinha lembrando de nós dois discutindo inflamados coisas desse tipo entre cervejas em pleno Carnaval carioca. Entre nossos contrastantes gestos tão espalhafatosos e todas as entrelinhas de personalidades trancafiadas.
Eu sinto falta, sabia? Eventualmente, é claro.
E eu senti falta hoje.
Isso tudo são clichês, aqueles inevitáveis com que nos deparamos todos os dias, como nossos óculos óbvios, cafés necessários e debates que, sem falsa modéstia, entramos pra ganhar.
Hoje eu fui naquela livraria, e me peguei pensando em coisas chatas sobre hifens mal colocados e caixas-altas tão desnecessárias. E sobre se mal colocado não deveria ser escrito junto e sobre o quanto esse plural de caixa-alta é nojento.
E ri sozinha lembrando de nós dois discutindo inflamados coisas desse tipo entre cervejas em pleno Carnaval carioca. Entre nossos contrastantes gestos tão espalhafatosos e todas as entrelinhas de personalidades trancafiadas.
Eu sinto falta, sabia? Eventualmente, é claro.
E eu senti falta hoje.
Cicatrizes
Cicatrizes, eu amo as suas cicatrizes.
A ação do colágeno, um tanto maliciosa, grita na pele que você nunca mais poderia ser o mesmo nem depois de um arranhão na grade do primeiro show que você foi da sua banda preferida, nem depois de uma briga de bar, que você entrou por engano, sendo confundido com um ator pornô.
E os percalços, que às vezes tentamos esconder, vão ficando nessa tela que carregamos. É nossa história, afinal, que está ali. O que somos. Ou melhor, como nos tornamos.
Nenhuma tempestade passa incólume.
E eu gosto de me perder nesse mapa das suas histórias.
Da cicatriz pequena atrás do joelho, de quando você era criança e sua mãe pedia pra não correr tanto no skate, àquela maior, no final da canela, de quando você falou pra você mesmo que não devia correr tanto no skate.
Ficam as cicatrizes.
A ação do colágeno, um tanto maliciosa, grita na pele que você nunca mais poderia ser o mesmo nem depois de um arranhão na grade do primeiro show que você foi da sua banda preferida, nem depois de uma briga de bar, que você entrou por engano, sendo confundido com um ator pornô.
E os percalços, que às vezes tentamos esconder, vão ficando nessa tela que carregamos. É nossa história, afinal, que está ali. O que somos. Ou melhor, como nos tornamos.
Nenhuma tempestade passa incólume.
E eu gosto de me perder nesse mapa das suas histórias.
Da cicatriz pequena atrás do joelho, de quando você era criança e sua mãe pedia pra não correr tanto no skate, àquela maior, no final da canela, de quando você falou pra você mesmo que não devia correr tanto no skate.
Ficam as cicatrizes.
12.12.18
Ímpeto
Quebra-cabeças, mesas de sinuca e tabuleiros de xadrez.
Todos são suporte da estratégia, é assim que se vence, falaram. E, no entanto, toda boa engenhosidade se perde sem ação.
Ontem, quando estávamos conversando, eu mal tinha começado a formular a frase, e você já sabia.
Talvez pareça metafórico, exacerbado ou até meio místico, mas não tem nada de sobrenatural no seu jeito realizador.
Eu nem ia falar do seu ímpeto logo no começo, deixei cozinhando em banho-maria para mais tarde. Percebe a ironia?
Todos são suporte da estratégia, é assim que se vence, falaram. E, no entanto, toda boa engenhosidade se perde sem ação.
Ontem, quando estávamos conversando, eu mal tinha começado a formular a frase, e você já sabia.
Talvez pareça metafórico, exacerbado ou até meio místico, mas não tem nada de sobrenatural no seu jeito realizador.
Eu nem ia falar do seu ímpeto logo no começo, deixei cozinhando em banho-maria para mais tarde. Percebe a ironia?
11.12.18
Frango caprese
Frango caprese.
Não é metáfora.
Tomate, vinho branco, manjericão, pimenta-do-reino, essa coisa toda. Ah, muçarela de búfala. Rúcula? Talvez, não lembro.
E você cozinhando pelado na minha cozinha. Pelado, não, deixe-me ser fiel aos detalhes. Você estava usando um avental todo preto, com um laço muito mal dado, escorregando pra direita, como se fosse se soltar a qualquer momento. Por baixo, pelado, sim.
E eu apoiada na bancada da cozinha americana, com a taça na mão, bebendo seu vinho, babando sua bunda. Em algum momento essa baba deve ter sido literal, não duvido. Dava pra ver o seu pau conforme você se movimentava, por trás, entre as coxas.
Não é metáfora.
Tomate, vinho branco, manjericão, pimenta-do-reino, essa coisa toda. Ah, muçarela de búfala. Rúcula? Talvez, não lembro.
E você cozinhando pelado na minha cozinha. Pelado, não, deixe-me ser fiel aos detalhes. Você estava usando um avental todo preto, com um laço muito mal dado, escorregando pra direita, como se fosse se soltar a qualquer momento. Por baixo, pelado, sim.
E eu apoiada na bancada da cozinha americana, com a taça na mão, bebendo seu vinho, babando sua bunda. Em algum momento essa baba deve ter sido literal, não duvido. Dava pra ver o seu pau conforme você se movimentava, por trás, entre as coxas.
10.12.18
Olhos (ou clichês, o que dá no mesmo)
A primeira coisa que reparei quando nos conhecemos foram seus olhos. Clichê, clichê demais. Clichê pra nós dois, ebulição criativa. Clichê considerando que, em parte, a gente já se conhecia.
A maioria das pessoas fica primeiro literalmente nua quando conhece alguém, bem antes de isso se tornar uma metáfora. Nós fizemos o caminho inverso.
Dizem que os olhos são os espelhos da alma, mas quando conheci seus olhos, de perto, de troca, de fixo (de verdade, em suma), já compartilhávamos nossas almas, elas passaram na frente.
Seus olhos foram portais tardios.
Eu nunca vou me esquecer de quando abri a porta daquele quarto de hotel barato no centro da cidade.
9.12.18
Voz
Voz. Voz é foda. Esse seu timbre e jeito de falar meio sussurrado então me matam.
Você faz de propósito, né? Sabe que eu perco fácil a calcinha e o juízo, coisas que nunca me preocupei muito em vestir perto de você, aliás.
E junta o sotaque, e junta a patifaria, e juntam seus s. Ah, eu sou completamente vendida.
Fazia tempo que eu não ouvia sua voz. Foi aquela ligação, tão despretensiosa, sobre apartamentos e cidades que sabem ao mesmo tempo nos acolher e nos sacudir. Que sabem nos fazer sentir vivos.
Talvez por isso minha cisma com essa cidade, é bem o equilíbrio dessa dualidade que sua voz me causa.
Causa. Sua voz é facilmente uma das minhas causas mais traiçoeiras.
Eu tinha me esquecido.
Você faz de propósito, né? Sabe que eu perco fácil a calcinha e o juízo, coisas que nunca me preocupei muito em vestir perto de você, aliás.
E junta o sotaque, e junta a patifaria, e juntam seus s. Ah, eu sou completamente vendida.
Fazia tempo que eu não ouvia sua voz. Foi aquela ligação, tão despretensiosa, sobre apartamentos e cidades que sabem ao mesmo tempo nos acolher e nos sacudir. Que sabem nos fazer sentir vivos.
Talvez por isso minha cisma com essa cidade, é bem o equilíbrio dessa dualidade que sua voz me causa.
Causa. Sua voz é facilmente uma das minhas causas mais traiçoeiras.
Eu tinha me esquecido.
22.11.18
Sobre força e vida
Eu amo essa foto. Nossas sombras no seu peito e nossas testas franzidas contando uma história tão nossa.
É claro que eu não ia repetir um texto para você; pai de santo que sou, respondo aos seus pensamentos enquanto lê isso. Não tem necessidade. Acho que nunca vamos parar de ser fonte mútua de inspiração. Como você mesmo fala, quando estamos juntos é só fotão. É claro, porque nossa arte registra quem somos. E fica ali nos chamando, nos mostrando que não podemos nos esquecer do que está dentro de nós.
Júpiter hoje comemora que alguém como você abra Sagitário, tão bem representado. Centauro, como você. Metade, sutil sensibilidade humana; metade, força crua animal. Precisão e audácia de arqueiro, e garra e determinação de caçador. Alado, porque você precisa voar, mas com a cauda da maldade do sátiro, porque não dá para voar sem antes termos conhecido os nossos demônios. Porque tudo na vida tem que ter sal. Sal, que atiça o fogo, que te rege. Fogo, que com muita facilidade foge do controle.
Mas o poder destruidor do fogo (se traduzindo muito bem no seu caso nas mil mulheres apaixonadas querendo morrer e matar por você - e antes fosse metáfora), que muitas vezes passa rápido e sem aviso, deixando cinzas e ruínas irreversíveis pelo caminho, também é potência criadora, força motriz.
É claro que eu não ia repetir um texto para você; pai de santo que sou, respondo aos seus pensamentos enquanto lê isso. Não tem necessidade. Acho que nunca vamos parar de ser fonte mútua de inspiração. Como você mesmo fala, quando estamos juntos é só fotão. É claro, porque nossa arte registra quem somos. E fica ali nos chamando, nos mostrando que não podemos nos esquecer do que está dentro de nós.
Júpiter hoje comemora que alguém como você abra Sagitário, tão bem representado. Centauro, como você. Metade, sutil sensibilidade humana; metade, força crua animal. Precisão e audácia de arqueiro, e garra e determinação de caçador. Alado, porque você precisa voar, mas com a cauda da maldade do sátiro, porque não dá para voar sem antes termos conhecido os nossos demônios. Porque tudo na vida tem que ter sal. Sal, que atiça o fogo, que te rege. Fogo, que com muita facilidade foge do controle.
Mas o poder destruidor do fogo (se traduzindo muito bem no seu caso nas mil mulheres apaixonadas querendo morrer e matar por você - e antes fosse metáfora), que muitas vezes passa rápido e sem aviso, deixando cinzas e ruínas irreversíveis pelo caminho, também é potência criadora, força motriz.
18.11.18
Ele era Escorpião
Ele? Ele era Escorpião, é óbvio.
E que atire a primeira flechada o cupido que nunca se entorpeceu nas garras de um escorpiano, coisa que duvido.
Quem nunca se apaixonou por um escorpiano - e, de preferência, com uma dose de platonismo, com uma dose de amor não correspondido -, me desculpe, mas não viveu.
Só conheceu os extremos sem escalas, dos golpes de dopamina ao lodo pegajoso do fundo do poço, quem se viu enredado pelos filhos de Hades.
Escorpião, o dono do submundo, o dono da morte, se você pensar bem, é inevitavelmente o senhor da vida. E de todas as outras coisas, Zeus que não me ouça.
Brincar nessas searas tão ambíguas te deixa mesmo nas fronteiras em que os extremos se chocam. E se confundem.
E ele era Escorpião do primeiro decanato, então pode jogar todos os clichês em cima, da rendição da posse ao cativeiro do sexo.
E que atire a primeira flechada o cupido que nunca se entorpeceu nas garras de um escorpiano, coisa que duvido.
Quem nunca se apaixonou por um escorpiano - e, de preferência, com uma dose de platonismo, com uma dose de amor não correspondido -, me desculpe, mas não viveu.
Só conheceu os extremos sem escalas, dos golpes de dopamina ao lodo pegajoso do fundo do poço, quem se viu enredado pelos filhos de Hades.
Escorpião, o dono do submundo, o dono da morte, se você pensar bem, é inevitavelmente o senhor da vida. E de todas as outras coisas, Zeus que não me ouça.
Brincar nessas searas tão ambíguas te deixa mesmo nas fronteiras em que os extremos se chocam. E se confundem.
E ele era Escorpião do primeiro decanato, então pode jogar todos os clichês em cima, da rendição da posse ao cativeiro do sexo.
17.11.18
Você de álcool, você de vírgulas
Durante muito tempo, você me deixou completamente perturbada.
Aquelas gafes que nos fazem corar as bochechas, e aquele nervoso típico que acaba atraindo um mar inevitável de outras gafes.
Eu derrubei coisas no chão (eu derrubei você no chão!), perdi uma coisa que tava na minha mão, já me senti ridícula em um show. Fora as inúmeras vezes, em inúmeros sentidos, que tropecei.
Só porque te vi, e isso basta pra me desestabilizar por completo.
E por acontecer bem na sua frente, era o fim do mundo, sim. Eu queria te impressionar, e a gente se cobra não ter falhas.
Depois vieram outras coisas, que igualmente me perturbavam. Eram suas mãos no meu quadril, era seu sorriso torto, era seu jeito de olhar pro lado naquela mistura tão sua de estar sem graça e se achar o máximo.
E, é claro, as coisas menos tangíveis.
Aquelas gafes que nos fazem corar as bochechas, e aquele nervoso típico que acaba atraindo um mar inevitável de outras gafes.
Eu derrubei coisas no chão (eu derrubei você no chão!), perdi uma coisa que tava na minha mão, já me senti ridícula em um show. Fora as inúmeras vezes, em inúmeros sentidos, que tropecei.
Só porque te vi, e isso basta pra me desestabilizar por completo.
E por acontecer bem na sua frente, era o fim do mundo, sim. Eu queria te impressionar, e a gente se cobra não ter falhas.
Depois vieram outras coisas, que igualmente me perturbavam. Eram suas mãos no meu quadril, era seu sorriso torto, era seu jeito de olhar pro lado naquela mistura tão sua de estar sem graça e se achar o máximo.
E, é claro, as coisas menos tangíveis.
15.11.18
Sentimentos levianos
Você gostou do cabelo dela, ele gostou do jeito que você cruza as pernas. Eu precisava daquelas conversas sobre Augusto dos Anjos, ele queria alimentar as impossibilidades.
No fundo, são sempre simbioses esses nossos arremedos de relacionamentos.
Parecia que éramos almas gêmeas. Fumávamos o mesmo cigarro, afinal, e eu nunca tinha conhecido ninguém que... Bem, havia outras coisas, claro.
Mas a realidade tem aquela dose cruel de o buraco é mais embaixo, e de repente se ela não fosse fumante não me irritassem tanto aquelas manias.
A realidade não dá brecha pra magia, e toda minha devoção pelas suas mãos, as mais bonitas que já vi, acabam se perdendo nas nossas conversas entrecortadas, em outros abraços, em preocupações éticas e morais... tão falsas.
No fundo, são sempre simbioses esses nossos arremedos de relacionamentos.
Parecia que éramos almas gêmeas. Fumávamos o mesmo cigarro, afinal, e eu nunca tinha conhecido ninguém que... Bem, havia outras coisas, claro.
Mas a realidade tem aquela dose cruel de o buraco é mais embaixo, e de repente se ela não fosse fumante não me irritassem tanto aquelas manias.
A realidade não dá brecha pra magia, e toda minha devoção pelas suas mãos, as mais bonitas que já vi, acabam se perdendo nas nossas conversas entrecortadas, em outros abraços, em preocupações éticas e morais... tão falsas.
12.11.18
Você não me dá tempo pra te amar
Amor tem tempo, tem nuance, tem medida, sim.
E tudo isso é relativizado conforme quem o acolhe.
Você não ama da mesma forma que seu melhor amigo, ainda que ele divida sua dor naquele abraço tão necessário. Ainda que ele ria dos seus prints da madrugada.
Seu amor é desesperado, urgente, obrigatório.
Eu te amo porque passou a fazer parte de mim de alguma forma. E eu fervo em círculos antes de mostrar.
Eu analiso por labirintos enquanto você já pegou fogo e renasceu três vezes.
Às vezes eu preparo todo o terreno, como se amor fosse casa que precisa ser projetada.
Mas você já estendeu uma tenda e tá babando em lugares tão distantes e próprios... que desconheço. Sem me permitir acesso.
E tudo isso é relativizado conforme quem o acolhe.
Você não ama da mesma forma que seu melhor amigo, ainda que ele divida sua dor naquele abraço tão necessário. Ainda que ele ria dos seus prints da madrugada.
Seu amor é desesperado, urgente, obrigatório.
Eu te amo porque passou a fazer parte de mim de alguma forma. E eu fervo em círculos antes de mostrar.
Eu analiso por labirintos enquanto você já pegou fogo e renasceu três vezes.
Às vezes eu preparo todo o terreno, como se amor fosse casa que precisa ser projetada.
Mas você já estendeu uma tenda e tá babando em lugares tão distantes e próprios... que desconheço. Sem me permitir acesso.
6.11.18
Alguém que se importe
A vida vai se encarregar de te fazer encontrar tudo de que você precisa.
Mas a vida também vai soprar folhas aleatórias em meio a esses vendavais.
O seu papel é saber separar o joio do trigo, a não se deixar levar por qualquer empolgação, ou seja o que for.
O seu papel é saber identificar alguém que se importe.
Porque relacionamento é troca, e não adianta ensinar as pessoas a se importarem, a terem interesse ou a se preocuparem com você. Não adianta exigir, não adianta forçar. Essas coisas acontecem ou não, e, pode ter certeza, quem quiser, vai se interessar.
Não existe compromisso, "crise existencial", o caralho a quatro. Nada impede. Quem se interessa por você, se interessa e ponto. Se importa, se preocupa, vai atrás.
Saiba mandar embora o quanto antes quem só faz peso morto.
Saiba reconhecer e conservar alguém que realmente olha pra você.
Alguém que queira conversar com você, e não que o negligencie pra encontrar química na primeira esquina com outra pessoa. E ainda dizer um "essas coisas acontecem, eu nem nunca mais falei com essa pessoa depois daquele dia".
Mas a vida também vai soprar folhas aleatórias em meio a esses vendavais.
O seu papel é saber separar o joio do trigo, a não se deixar levar por qualquer empolgação, ou seja o que for.
O seu papel é saber identificar alguém que se importe.
Porque relacionamento é troca, e não adianta ensinar as pessoas a se importarem, a terem interesse ou a se preocuparem com você. Não adianta exigir, não adianta forçar. Essas coisas acontecem ou não, e, pode ter certeza, quem quiser, vai se interessar.
Não existe compromisso, "crise existencial", o caralho a quatro. Nada impede. Quem se interessa por você, se interessa e ponto. Se importa, se preocupa, vai atrás.
Saiba mandar embora o quanto antes quem só faz peso morto.
Saiba reconhecer e conservar alguém que realmente olha pra você.
Alguém que queira conversar com você, e não que o negligencie pra encontrar química na primeira esquina com outra pessoa. E ainda dizer um "essas coisas acontecem, eu nem nunca mais falei com essa pessoa depois daquele dia".
3.11.18
laCUnas
Tal qual mosca de padaria faz a ronda
Você maltrata minha racha desvalida
Minha precoce exaustão evidencia
Que toda foda é um tanto piegas
Invade minhas matas sua anaconda
Que, para multidões, ergue-se destemida
Seu brado vem impiedoso e anuncia
A perda irretratável das minhas pregas
Você maltrata minha racha desvalida
Minha precoce exaustão evidencia
Que toda foda é um tanto piegas
Invade minhas matas sua anaconda
Que, para multidões, ergue-se destemida
Seu brado vem impiedoso e anuncia
A perda irretratável das minhas pregas
30.10.18
A culpa é sua
Ontem um amigo veio me perguntar por que meus textos não têm mais alma.
Respondi com indignação, perguntando o que ele queria insinuar com isso.
Ele riu da minha reação tão óbvia, já esperada, e veio naquela tentativa de me consolar: Seus textos continuam ótimos, eles só perderam a alma.
Eu queria me defender, é claro. Mas eu não podia. Eu sabia que ele estava certo. Há muito tempo, meus textos estavam completamente vazios. Eram só palavras estrategicamente escolhidas e muito bem arrumadas. Mas alma? Ah, não mesmo.
Um texto tem alma quando você escreve ele fervendo. De um fôlego, por necessidade. Quando ele é mais revelador do que você intenciona, quando ele é mais profundo do que você percebe.
E eu sabia que eu sido derrotada na minha própria arena.
A culpa é sua.
Respondi com indignação, perguntando o que ele queria insinuar com isso.
Ele riu da minha reação tão óbvia, já esperada, e veio naquela tentativa de me consolar: Seus textos continuam ótimos, eles só perderam a alma.
Eu queria me defender, é claro. Mas eu não podia. Eu sabia que ele estava certo. Há muito tempo, meus textos estavam completamente vazios. Eram só palavras estrategicamente escolhidas e muito bem arrumadas. Mas alma? Ah, não mesmo.
Um texto tem alma quando você escreve ele fervendo. De um fôlego, por necessidade. Quando ele é mais revelador do que você intenciona, quando ele é mais profundo do que você percebe.
E eu sabia que eu sido derrotada na minha própria arena.
A culpa é sua.
29.10.18
O despropósito e a necessidade de heroicizar a existência
Não, é claro que eu não culpo vocês. O próprio arranjo social nos leva a boiar nesse monte de nadas. Nossa evolução nos preparou para a estabilidade e para o perpétuo, e, com isso, nos fez alheios à nossa óbvia condição humana. Alguém disse que nós só sabemos que morremos porque vivemos em sociedade - esse mal necessário -, mas vou além.
Nem a vida societal, essa usurpadora de eus, conseguiu nos esbofetear com essa cruel e inevitável (posso adjetivar só mais uma vez? Preciso de um "única" aqui) verdade: a morte. Mas os tempos fragmentados em que vivemos, da megaconexão e de todas as possibilidades, olha a ironia, parecem ter-nos tornado, pela primeira vez, plenamente conscientes dela (sim, pronome, porque a morte não-deve-ser-nomeada. Quem sabe assim ela vai embora). Não só a revolução tecnológica, não sejamos tão algozes, mas ela no mínimo propiciou e trouxe todo o resto: conhecimento disseminado, morte de deuses, espaço para todos os egos crescerem e se equipararem.
Somos todos formadores de opinião. Somos todos deuses. Parece que aquele Renascimento, que colocou o homem no centro, só nos caiu de vez, como esse baque surdo, agora. Ou só agora nós o retomamos e o levamos a todos os limites. Somos antropocêntricos (egocêntricos mesmo, na verdade), somos românticos. O herói romântico, individual, nunca nos serviria tão bem. Somos mimados, somos fanáticos, somos histéricos. (Nossa, mas essa palavra é tão... Sim, eu sei. Só usei aqui pra você poder gritar mais um pouco. Quem sabe, assim, você entende.)
Somos perdidos. Ao mesmo tempo em que nosso eu cresceu demais, e se sobrepôs a tudo, inclusive soube muito bem se travestir de ativismo e busca por direitos coletivos (que só refletem mais o quanto somos centrados no eu), ao mesmo tempo tomamos a total consciência do que somos: porra nenhuma.
E essa sociedade que corre não nos deixa nos adaptar na mesma velocidade. Não estamos acostumados com a velocidade - ainda. Ainda estamos em fase de adaptação do que já acabou. Atrasados em relação a uma realidade que nunca mais vai se permitir alcançar, dado o aumento de sua velocidade ser assim tão exponencial.
A sociedade, enquanto estrutura, agora, após a era digital, corre em PG. Nós ainda escalamos lentos esses muros em progressões aritméticas.
Mas a métrica nos falta. Do radical ficou-nos só a mimética.
Nem a vida societal, essa usurpadora de eus, conseguiu nos esbofetear com essa cruel e inevitável (posso adjetivar só mais uma vez? Preciso de um "única" aqui) verdade: a morte. Mas os tempos fragmentados em que vivemos, da megaconexão e de todas as possibilidades, olha a ironia, parecem ter-nos tornado, pela primeira vez, plenamente conscientes dela (sim, pronome, porque a morte não-deve-ser-nomeada. Quem sabe assim ela vai embora). Não só a revolução tecnológica, não sejamos tão algozes, mas ela no mínimo propiciou e trouxe todo o resto: conhecimento disseminado, morte de deuses, espaço para todos os egos crescerem e se equipararem.
Somos todos formadores de opinião. Somos todos deuses. Parece que aquele Renascimento, que colocou o homem no centro, só nos caiu de vez, como esse baque surdo, agora. Ou só agora nós o retomamos e o levamos a todos os limites. Somos antropocêntricos (egocêntricos mesmo, na verdade), somos românticos. O herói romântico, individual, nunca nos serviria tão bem. Somos mimados, somos fanáticos, somos histéricos. (Nossa, mas essa palavra é tão... Sim, eu sei. Só usei aqui pra você poder gritar mais um pouco. Quem sabe, assim, você entende.)
Somos perdidos. Ao mesmo tempo em que nosso eu cresceu demais, e se sobrepôs a tudo, inclusive soube muito bem se travestir de ativismo e busca por direitos coletivos (que só refletem mais o quanto somos centrados no eu), ao mesmo tempo tomamos a total consciência do que somos: porra nenhuma.
E essa sociedade que corre não nos deixa nos adaptar na mesma velocidade. Não estamos acostumados com a velocidade - ainda. Ainda estamos em fase de adaptação do que já acabou. Atrasados em relação a uma realidade que nunca mais vai se permitir alcançar, dado o aumento de sua velocidade ser assim tão exponencial.
A sociedade, enquanto estrutura, agora, após a era digital, corre em PG. Nós ainda escalamos lentos esses muros em progressões aritméticas.
Mas a métrica nos falta. Do radical ficou-nos só a mimética.
19.10.18
Esquinas
A chuva da madrugada que veio brindar a vida no dia de hoje me trouxe você.
Mas não daquele jeito óbvio de quase todos os dias, o fundo patente de saudade com o ímpeto de uma mensagem de duplo sentido ou de um texto estilo indireta, que eu sei que você vai fingir que não, mas vai ler.
Hoje, a chuva me trouxe uma certa paz naquelas pontadas que misturam os sentimentos de quando você se conforma e começa a seguir em frente. Mas que ainda guardam vestígios.
Eu sinto falta, é claro. De alguma coisa que fomos, ou quase, ou poderíamos, ou eu só desejei e foi ficando meio perdida no cotidiano.
E toda vez que chego a essa cidade, que nunca foi, nem seria, minha, eu ainda me emociono e sinto o aperto no peito, igual da primeira vez.
Esse não é nem de longe o melhor lugar em que já estive. O mais turístico, o mais desejado, o mais inusitado.
Mas esse, de tudo, de todos, de sempre, é e vai ser sempre o que fica.
Mas não daquele jeito óbvio de quase todos os dias, o fundo patente de saudade com o ímpeto de uma mensagem de duplo sentido ou de um texto estilo indireta, que eu sei que você vai fingir que não, mas vai ler.
Hoje, a chuva me trouxe uma certa paz naquelas pontadas que misturam os sentimentos de quando você se conforma e começa a seguir em frente. Mas que ainda guardam vestígios.
Eu sinto falta, é claro. De alguma coisa que fomos, ou quase, ou poderíamos, ou eu só desejei e foi ficando meio perdida no cotidiano.
E toda vez que chego a essa cidade, que nunca foi, nem seria, minha, eu ainda me emociono e sinto o aperto no peito, igual da primeira vez.
Esse não é nem de longe o melhor lugar em que já estive. O mais turístico, o mais desejado, o mais inusitado.
Mas esse, de tudo, de todos, de sempre, é e vai ser sempre o que fica.
4.10.18
Rabelais e o desprezo pelo saber
Nem proscênio nem bastidores; da crítica das aparências à da estrutura, Gargântua é, em última instância, um deboche ao conhecimento.
Entre exageros declarados e comedimentos inerentes ao trato social, o óbvio desafio às grandes instituições regulamentadoras - família, igreja, estado, educação, moral, política etc. - divide espaço com uma estética que descreve tempos ainda em ebulição: a insistência nos ditos contrastes, que, no fundo, expõem o mesmo.
São três grandes estruturas que dividem o livro, que, assim, segmentam a argumentação: a formação do gigante, as guerras, a abadia utópica. Em termos de forma, também elas têm as próprias características, seja o precursor do romance de formação, seja o flerte com a rapsódia. Ainda, configuram-se como um funil, a primeira parte é a maior; a última, a menor.
Assim, a própria forma de Gargântua recupera seu conteúdo. Caos sistematizado, ordem questionada. Opostos que brincam livremente entre seus terrenos.
Opostas também são as faces do conhecimento (entendido aqui em sentido lato, cultura, ciências, arte, linguagem etc.), constituinte e apartado. Tal qual o gigante, forma-se no seio de uma sociedade típica, sendo por ela alimentado, mas precisa instituir certo alheamento, responsável por legitimar seu lugar de autoridade.
Entre exageros declarados e comedimentos inerentes ao trato social, o óbvio desafio às grandes instituições regulamentadoras - família, igreja, estado, educação, moral, política etc. - divide espaço com uma estética que descreve tempos ainda em ebulição: a insistência nos ditos contrastes, que, no fundo, expõem o mesmo.
São três grandes estruturas que dividem o livro, que, assim, segmentam a argumentação: a formação do gigante, as guerras, a abadia utópica. Em termos de forma, também elas têm as próprias características, seja o precursor do romance de formação, seja o flerte com a rapsódia. Ainda, configuram-se como um funil, a primeira parte é a maior; a última, a menor.
Assim, a própria forma de Gargântua recupera seu conteúdo. Caos sistematizado, ordem questionada. Opostos que brincam livremente entre seus terrenos.
Opostas também são as faces do conhecimento (entendido aqui em sentido lato, cultura, ciências, arte, linguagem etc.), constituinte e apartado. Tal qual o gigante, forma-se no seio de uma sociedade típica, sendo por ela alimentado, mas precisa instituir certo alheamento, responsável por legitimar seu lugar de autoridade.
A divina proporção e o intervalo do Diabo
Talvez Pascal só estivesse muito ocioso empilhando blocos quando propôs seu triângulo.
Talvez Da Vinci só fosse o precursor do Lego e outros jogos de encaixe ao pensar em quadrados e círculos para seu homem vitruviano.
E talvez Fibonacci, até ele, só estivesse entediado demais quando resolveu somar dois números e criar uma sequência seguindo esse padrão.
A proporção áurea (ou divina proporção), presente em todas as criaturas moldadas pelo barro de Deus, foi criada pelo homem, o mesmo que não só superou Deus, como tomou seu lugar.
Agora o segno di dio in noi (disegno, a gosto de Alberti) é produzido e tem autoria, muito bem projetado com perspectiva e norteado pelo homem, o parâmetro de todas as coisas. 1,61 é o número mágico, com que brincaram quase de mãos dadas, não fosse a impiedade do tempo, gerações, gêneros e estilos, de Michelangelo a Mondrian.
Endossaram na música a proporção áurea Satie e Debussy, por exemplo, e dessa nem a quinta, que, de perfeita, foi chamada de justa, escapou de passear ali pelo começo da sequência de Fibonacci, em seu 3:2.
Mas se de um lado há toda ordem arquetípica da simetria, a polissêmica monotonia do canto gregoriano, em paradoxal ironia, ao repudiar a polifonia, essa filha das trevas, mostra que todo mártir tem seu algoz. O caos é sua condição sine qua non, só pra gastar latim.
Não é só Deus que está no particular, como sabe Warburg, o Demônio também é preciso, e criou seu intervalo entre os obedientes filhos de Deus.
Talvez Da Vinci só fosse o precursor do Lego e outros jogos de encaixe ao pensar em quadrados e círculos para seu homem vitruviano.
E talvez Fibonacci, até ele, só estivesse entediado demais quando resolveu somar dois números e criar uma sequência seguindo esse padrão.
A proporção áurea (ou divina proporção), presente em todas as criaturas moldadas pelo barro de Deus, foi criada pelo homem, o mesmo que não só superou Deus, como tomou seu lugar.
Agora o segno di dio in noi (disegno, a gosto de Alberti) é produzido e tem autoria, muito bem projetado com perspectiva e norteado pelo homem, o parâmetro de todas as coisas. 1,61 é o número mágico, com que brincaram quase de mãos dadas, não fosse a impiedade do tempo, gerações, gêneros e estilos, de Michelangelo a Mondrian.
Endossaram na música a proporção áurea Satie e Debussy, por exemplo, e dessa nem a quinta, que, de perfeita, foi chamada de justa, escapou de passear ali pelo começo da sequência de Fibonacci, em seu 3:2.
Mas se de um lado há toda ordem arquetípica da simetria, a polissêmica monotonia do canto gregoriano, em paradoxal ironia, ao repudiar a polifonia, essa filha das trevas, mostra que todo mártir tem seu algoz. O caos é sua condição sine qua non, só pra gastar latim.
Não é só Deus que está no particular, como sabe Warburg, o Demônio também é preciso, e criou seu intervalo entre os obedientes filhos de Deus.
27.9.18
Amor nunca bastou pra ninguém
Só o amor não basta. Sempre me disseram isso, e eu nunca acreditei. Talvez por inexperiência em sentir muito por alguém a ponto de ficar meio sem eixo. A ponto de ficar meio pirado.
Hoje, sou estapeada com essa impiedosa realidade.
Eu sempre achei que amar, e essa coisa toda de sentir muito por alguém, de só por ela respirar já parecer que viver faz sentido, te fizesse superar e ser melhor em qualquer coisa.
Hoje, sou estapeada com essa impiedosa realidade.
Eu sempre achei que amar, e essa coisa toda de sentir muito por alguém, de só por ela respirar já parecer que viver faz sentido, te fizesse superar e ser melhor em qualquer coisa.
26.9.18
Ainda bem que estamos aqui
Viver com outra pessoa é um inferno.
Viver junto enlouquece, faz você querer matar o outro, se matar, aliás, que não dá cadeia nem precisa se livrar do corpo. Viver junto é quase penitência pra pagar pecado de várias encarnações. Viver junto é teste de resistência.
Mas, se é com você, as coisas mudam um pouquinho.
Porque com você tem magia, tem sorriso bobo, tem risada de manhã, tem chamego gostoso de noite. E como, depois de você, eu saberia viver sozinha de novo?
Sem você acordar cedo pra preparar meu café, mas eu acordar, só beber Coca-cola e sair. E reclamar que você fuma e isso faz mal. Você arrumando minhas roupas, e eu bagunçando tudo e depois te perguntando onde deixei.
Você imitando coruja, eu debochando das cantoras que você gosta. Você me sujando de brigadeiro, eu me pendurando em você e tentando te derrubar da cadeira. (Mas quem já me derrubou da cama foi você.)
Você fazendo a conjuração de papa Justify no banheiro, eu contando histórias que te fazem acender a luz de madrugada. E eu falando que você é esquisito. E você falando que sou esquisita.
E nosso fingimento em não nos importar, acusando o outro de orgulhoso, quando essa disputa no final das contas dá empate.
Viver junto enlouquece, faz você querer matar o outro, se matar, aliás, que não dá cadeia nem precisa se livrar do corpo. Viver junto é quase penitência pra pagar pecado de várias encarnações. Viver junto é teste de resistência.
Mas, se é com você, as coisas mudam um pouquinho.
Porque com você tem magia, tem sorriso bobo, tem risada de manhã, tem chamego gostoso de noite. E como, depois de você, eu saberia viver sozinha de novo?
Sem você acordar cedo pra preparar meu café, mas eu acordar, só beber Coca-cola e sair. E reclamar que você fuma e isso faz mal. Você arrumando minhas roupas, e eu bagunçando tudo e depois te perguntando onde deixei.
Você imitando coruja, eu debochando das cantoras que você gosta. Você me sujando de brigadeiro, eu me pendurando em você e tentando te derrubar da cadeira. (Mas quem já me derrubou da cama foi você.)
Você fazendo a conjuração de papa Justify no banheiro, eu contando histórias que te fazem acender a luz de madrugada. E eu falando que você é esquisito. E você falando que sou esquisita.
E nosso fingimento em não nos importar, acusando o outro de orgulhoso, quando essa disputa no final das contas dá empate.
17.9.18
Illusion never changed into something real
Você se apaixonou de novo, como se prometeu que não ia acontecer. Pior, você se entregou de novo, se abriu, acreditou. Não foi? É, eu sei. Como, de novo, pudemos ser assim tão fracos?
A gente sempre acaba acreditando de novo, o que por um lado é bom, a gente precisa de fé pra viver. Mas aquelas borboletas no estômago sempre nos traem, porque nos fazem esquecer o quanto esse conto de fadas que envolve os relacionamentos não é real, e vai ruir a qualquer momento.
Você busca uma confiança total, ele também. Ela chega a ser rude de tão "transparente", você adorou isso, é bem a sua cara.
Mas você mentiu que usa tinta pra esconder os cabelos brancos, ela mentiu o número do sapato pra não parecer despropocrional um pé 38 em seus pouco mais de 1,50.
Ele mentiu o horário da aula porque sabia que você ia ficar chateada e preocupada se soubesse que ele precisa fumar quinze minutos antes. Você mentiu que começou a dieta e acabou comendo uma caixa de Bis escondido. Talvez aquela que comprou pra presentear alguém.
A gente sempre acaba acreditando de novo, o que por um lado é bom, a gente precisa de fé pra viver. Mas aquelas borboletas no estômago sempre nos traem, porque nos fazem esquecer o quanto esse conto de fadas que envolve os relacionamentos não é real, e vai ruir a qualquer momento.
Você busca uma confiança total, ele também. Ela chega a ser rude de tão "transparente", você adorou isso, é bem a sua cara.
Mas você mentiu que usa tinta pra esconder os cabelos brancos, ela mentiu o número do sapato pra não parecer despropocrional um pé 38 em seus pouco mais de 1,50.
Ele mentiu o horário da aula porque sabia que você ia ficar chateada e preocupada se soubesse que ele precisa fumar quinze minutos antes. Você mentiu que começou a dieta e acabou comendo uma caixa de Bis escondido. Talvez aquela que comprou pra presentear alguém.
14.9.18
Por favor, não demora
Toda vez que você ressurge é igual. Borboletas no estômago, músicas do Jason Mraz. Eu recomeço a dieta e volto a pagar a academia. Basta você reaparecer pra colorir o dia a dia.
Eu sempre me prometo que não vou me deixar afetar, que não vou nem te responder, muito menos aceitar o convite pro chope gelado depois do trabalho. Mas o que adianta eu te ignorar? Sua aparição me apunhala do exato mesmo jeito, mesmo se eu não alimentar.
Quando as pessoas falam sobre desistir, geralmente são os clássicos desistir de insistir, desistir de esperar, desistir de acreditar.
Eu penso em todas essas desistências e rio, enquanto tomo mais um gole do resto dessa bebida barata que tava aqui na geladeira. Porque a minha desistência é de desistir, entende?
Eu sempre me prometo que não vou me deixar afetar, que não vou nem te responder, muito menos aceitar o convite pro chope gelado depois do trabalho. Mas o que adianta eu te ignorar? Sua aparição me apunhala do exato mesmo jeito, mesmo se eu não alimentar.
Quando as pessoas falam sobre desistir, geralmente são os clássicos desistir de insistir, desistir de esperar, desistir de acreditar.
Eu penso em todas essas desistências e rio, enquanto tomo mais um gole do resto dessa bebida barata que tava aqui na geladeira. Porque a minha desistência é de desistir, entende?
9.9.18
Vou sentir falta
Vou sentir falta, é claro.
Vou sentir falta da disputa silenciosa por quem troca o sabonete e a pasta de dentes, mesmo eles estando embaixo da pia do banheiro.
Vou sentir falta de reclamar dos seus ratos e do cheiro misterioso do gás. De você brincando com a casa e estragando (e consertando, ok) a descarga e a maçaneta.
Vou sentir falta de você consertar tudo. E isso é material, mas também abstrato.
Vou sentir falta de brigar por quem aguenta mais tempo com a louça na pia e da implicância de deixar o garfo usado pelo outro. E de esconder o copo de cada um no quarto.
Vou sentir falta de brigar pelo chá gelado. E de você comer minha comida.
Vou sentir falta do cheiro de amaciante na casa com você lavando nossas roupas. Porque se não fosse você eu não lavaria mesmo com tanta frequência, muito menos dobraria, coisa que nunca fiz.
Vou sentir falta de você comprar antimofo pra mim, mesmo eu sendo tão desligada e relapsa a ponto de colocar no armário sem abrir. E de isso ser só mais um motivo pra rirmos juntos.
Vou sentir falta do dilema na hora do almoço, cada um querendo ir pra um lugar, e nenhum dos dois gostando de nada.
Vou sentir falta dos mil emojis nas mensagens e dos planos mirabolantes de bandas só para baixinhos e de enfiar "prolapso" nas conversas.
Vou sentir falta de "dar crise de ciúme" fingindo seriedade e você me fazer rir, porque me conhece e sabe que sempre fomos mais do que isso.
Vou sentir falta de começar a brigar contigo do nada e você me fazer cair na gargalhada. E de cair na gargalhada por várias coisas idiotas. Afinal, a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser. Geralmente, em você "mermo".
Vou sentir falta de perdermos o sono de madrugada (tão raro...) e ficarmos trabalhando ou rindo de idiotices, ou na maioria das vezes as duas coisas.
Vou sentir falta da nossa parceria pra sair de tretas. E de você ter ficado do meu lado em situações em que nem eu mesma fiquei.
Vou sentir falta da disputa silenciosa por quem troca o sabonete e a pasta de dentes, mesmo eles estando embaixo da pia do banheiro.
Vou sentir falta de reclamar dos seus ratos e do cheiro misterioso do gás. De você brincando com a casa e estragando (e consertando, ok) a descarga e a maçaneta.
Vou sentir falta de você consertar tudo. E isso é material, mas também abstrato.
Vou sentir falta de brigar por quem aguenta mais tempo com a louça na pia e da implicância de deixar o garfo usado pelo outro. E de esconder o copo de cada um no quarto.
Vou sentir falta de brigar pelo chá gelado. E de você comer minha comida.
Vou sentir falta do cheiro de amaciante na casa com você lavando nossas roupas. Porque se não fosse você eu não lavaria mesmo com tanta frequência, muito menos dobraria, coisa que nunca fiz.
Vou sentir falta de você comprar antimofo pra mim, mesmo eu sendo tão desligada e relapsa a ponto de colocar no armário sem abrir. E de isso ser só mais um motivo pra rirmos juntos.
Vou sentir falta do dilema na hora do almoço, cada um querendo ir pra um lugar, e nenhum dos dois gostando de nada.
Vou sentir falta dos mil emojis nas mensagens e dos planos mirabolantes de bandas só para baixinhos e de enfiar "prolapso" nas conversas.
Vou sentir falta de "dar crise de ciúme" fingindo seriedade e você me fazer rir, porque me conhece e sabe que sempre fomos mais do que isso.
Vou sentir falta de começar a brigar contigo do nada e você me fazer cair na gargalhada. E de cair na gargalhada por várias coisas idiotas. Afinal, a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser. Geralmente, em você "mermo".
Vou sentir falta de perdermos o sono de madrugada (tão raro...) e ficarmos trabalhando ou rindo de idiotices, ou na maioria das vezes as duas coisas.
Vou sentir falta da nossa parceria pra sair de tretas. E de você ter ficado do meu lado em situações em que nem eu mesma fiquei.
7.9.18
A coberta é curta
Dias desses, olhando essas paredes lousa que já saíram de moda, me veio você. Eu me lembrei de quando nós dois tentamos fazer uma naquele conjugado alugado minúsculo na praia do Flamengo, tão nosso, e acabamos sujos, suados e com falta de ar daquele cheiro insuportável.
E então rimos.
A casa estava de pernas pro ar com nossa mudança recém-feita. E tinha algum resto de macarrão seco do dia anterior na panela, em cima do fogão.
Eu diria que só nos preocupamos com a cama, mas estaria mentindo. Nós largamos o colchão perto da janela, e não nos importávamos muito com nada além de criar juntos. Nossas esculturas, quadros, seus negativos de fotos pendurados naquele varal improvisado.
Eu comecei a me perguntar em que momento nós dois deixamos de ser.
E então rimos.
A casa estava de pernas pro ar com nossa mudança recém-feita. E tinha algum resto de macarrão seco do dia anterior na panela, em cima do fogão.
Eu diria que só nos preocupamos com a cama, mas estaria mentindo. Nós largamos o colchão perto da janela, e não nos importávamos muito com nada além de criar juntos. Nossas esculturas, quadros, seus negativos de fotos pendurados naquele varal improvisado.
Eu comecei a me perguntar em que momento nós dois deixamos de ser.
4.9.18
Tudo aquilo que nunca fomos
Hoje, que estou um pouco mais fria de nós, acho que consigo explicar o que nunca consegui: aquilo que eu queria que nós dois tivéssemos sido.
Eu estaria mentindo se dissesse que não quero mais, que a centelha de esperança já não queima. Eu me fiz esfriar de você, é verdade, mas você ainda não se foi. Você não irá completamente agora, nem amanhã ou no próximo mês.
Eu só queria que nós dois tivéssemos sido reais. É pedinte demais falar assim, não é? Essas coisas acontecem ou não, não se podem exigir. Por isso digo isso não como quem pede – ou precisa –, mas como quem passou meses analisando sentimentos – esses inanalisáveis – e hoje acha que tem uma resposta bem estruturada e pretensamente lógica.
Eu queria que nós tivéssemos construído alguma coisa. Suficiente pra você me procurar de madrugada sem motivo, sem entrelinhas, só porque precisa. Suficiente pra eu te dizer que preciso encostar a cabeça no seu peito, e só isso mesmo, sem nenhuma intenção ou tática mirabolante de conquista por trás.
Eu queria que você soubesse que se te falei tal coisa, foi porque você é a pessoa no mundo que me deixa confortável pra isso, e não porque estou jogando ou não tive opção. Eu queria saber que não faz diferença você sumir ou aparecer, nada disso faria nós dois – o que quer que isso significasse – desvanecer.
Eu estaria mentindo se dissesse que não quero mais, que a centelha de esperança já não queima. Eu me fiz esfriar de você, é verdade, mas você ainda não se foi. Você não irá completamente agora, nem amanhã ou no próximo mês.
Eu só queria que nós dois tivéssemos sido reais. É pedinte demais falar assim, não é? Essas coisas acontecem ou não, não se podem exigir. Por isso digo isso não como quem pede – ou precisa –, mas como quem passou meses analisando sentimentos – esses inanalisáveis – e hoje acha que tem uma resposta bem estruturada e pretensamente lógica.
Eu queria que nós tivéssemos construído alguma coisa. Suficiente pra você me procurar de madrugada sem motivo, sem entrelinhas, só porque precisa. Suficiente pra eu te dizer que preciso encostar a cabeça no seu peito, e só isso mesmo, sem nenhuma intenção ou tática mirabolante de conquista por trás.
Eu queria que você soubesse que se te falei tal coisa, foi porque você é a pessoa no mundo que me deixa confortável pra isso, e não porque estou jogando ou não tive opção. Eu queria saber que não faz diferença você sumir ou aparecer, nada disso faria nós dois – o que quer que isso significasse – desvanecer.
2.9.18
Involuntário
Ontem, quando esbarrei com você no gargalo daquele show, bem na hora daquela maldita música, parece que tudo o que botamos pra dormir veio à tona.
Minha garganta secou, você gaguejou. Minhas palavras não saíram, as suas se entrecortaram no nosso cumprimento desajeitado.
Não sei o que é mais esquisito. Quando éramos íntimos, sem ser; ou agora, que somos estranhos, sem ser. Acontece que nós dois desistimos, mas isso não quer dizer que acabou.
É uma meia verdade aquele clichê de que o tempo leva todas as coisas. Na verdade, sempre achei que o tempo só "empurrasse", como uma correnteza difícil demais de vencer. Mas, nessa, muitas roupas e cabelos são deixados pra trás.
Minha garganta secou, você gaguejou. Minhas palavras não saíram, as suas se entrecortaram no nosso cumprimento desajeitado.
Não sei o que é mais esquisito. Quando éramos íntimos, sem ser; ou agora, que somos estranhos, sem ser. Acontece que nós dois desistimos, mas isso não quer dizer que acabou.
É uma meia verdade aquele clichê de que o tempo leva todas as coisas. Na verdade, sempre achei que o tempo só "empurrasse", como uma correnteza difícil demais de vencer. Mas, nessa, muitas roupas e cabelos são deixados pra trás.
26.8.18
Odeio jazz
Aquele dia que nos esbarramos, em um show de bandas aleatórias no centro da cidade, éramos mais do mesmo: eu, apaixonada por uma figurinha megafamosona em um microcosmos; você, wannabe de rockstar com um cabelo muito melhor do que o meu.
Não foi ali, claro que não. Foram meses depois. Em um show, de novo, no mesmo lugar. Dessa vez era uma banda grande, alegoria perfeita do que dali a algumas semanas nos tornaríamos. Alegoria perfeita de tudo o que por muito tempo guardamos.
Você só queria tirar a cabeça dos seus muitos calos nos dedos. Eu só queria tirar a cabeça dos muitos corações boiando na minha constante ciranda de relacionamentos.
Seria só mais um dia de motel barato na Tijuca, gasolina Zona Norte-Zona Sul, coreografias e partituras atrasadas em prol de uma gozada gourmet.
Digo gourmet porque sempre é gourmet gozar com pessoas que você acha o ápice da beleza. Viva o superficial deleite estético vertido em arrepios, lubrificação e entumecimento. E até então era só isso mesmo pra nós dois, embalagens de covinhas e bundas oníricas demais de tão bonitas.
Não foi ali, claro que não. Foram meses depois. Em um show, de novo, no mesmo lugar. Dessa vez era uma banda grande, alegoria perfeita do que dali a algumas semanas nos tornaríamos. Alegoria perfeita de tudo o que por muito tempo guardamos.
Você só queria tirar a cabeça dos seus muitos calos nos dedos. Eu só queria tirar a cabeça dos muitos corações boiando na minha constante ciranda de relacionamentos.
Seria só mais um dia de motel barato na Tijuca, gasolina Zona Norte-Zona Sul, coreografias e partituras atrasadas em prol de uma gozada gourmet.
Digo gourmet porque sempre é gourmet gozar com pessoas que você acha o ápice da beleza. Viva o superficial deleite estético vertido em arrepios, lubrificação e entumecimento. E até então era só isso mesmo pra nós dois, embalagens de covinhas e bundas oníricas demais de tão bonitas.
25.8.18
Mordaz mistério das madrugadas
Mais um dia que eu olhava insistentemente minha caixa de spam, naquela esperança quase doentia de não ter visto. Acontece que ontem, mais uma vez, eu tinha escrito pra ele.
E pensar que das últimas vezes quem tinha insistido veementemente fora ele. Pessoalmente, indo a locais que eu não tinha lhe dito em que estava, descobrindo telefones, descobrindo quartos de hotéis, descobrindo minhas madrugadas. Me encontrando nas minhas perdidas madrugadas, aliás.
Eu não insistia com tanta frequência, tampouco com a mesma disposição para revirar o mundo e "catar" onde ele pudesse estar. Eu me assemelhava mais ao viciado eventual, que em dias de abstinência cruza limites entre o social e o necessário.
Hoje era um desses dias. Eu estava em um evento grande da cidade, que eu nem morava, estava ali a trabalho há alguns dias, sem previsão de quanto tempo permaneceria, como o padrão de todas as coisas na minha vida.
Um lapso entre uma música que me trouxe ele e a cerveja na minha mão me fez olhar os e-mails. Claro que ele não tinha respondido, não fez da última vez, meses atrás, por que faria agora? Meses antes, quando, de um quarto de hotel, escrevi "tô em outro estado e pensando em você". O estado já não era o mesmo de agora, em sentido algum. O pensamento nele? Esse permanecia incômodo, è vero.
E pensar que das últimas vezes quem tinha insistido veementemente fora ele. Pessoalmente, indo a locais que eu não tinha lhe dito em que estava, descobrindo telefones, descobrindo quartos de hotéis, descobrindo minhas madrugadas. Me encontrando nas minhas perdidas madrugadas, aliás.
Eu não insistia com tanta frequência, tampouco com a mesma disposição para revirar o mundo e "catar" onde ele pudesse estar. Eu me assemelhava mais ao viciado eventual, que em dias de abstinência cruza limites entre o social e o necessário.
Hoje era um desses dias. Eu estava em um evento grande da cidade, que eu nem morava, estava ali a trabalho há alguns dias, sem previsão de quanto tempo permaneceria, como o padrão de todas as coisas na minha vida.
Um lapso entre uma música que me trouxe ele e a cerveja na minha mão me fez olhar os e-mails. Claro que ele não tinha respondido, não fez da última vez, meses atrás, por que faria agora? Meses antes, quando, de um quarto de hotel, escrevi "tô em outro estado e pensando em você". O estado já não era o mesmo de agora, em sentido algum. O pensamento nele? Esse permanecia incômodo, è vero.
11.8.18
Depois
A9 A
Cores, móveis e porta-retratos
Não sei se foi o álcool ou algo entre nós dois
Suas mãos me encenaram em atos
Se feitos de paixão, o que vem depois?
F#m E
E depois... são madrugadas que calam você
Tantas esquinas que aguardam um depois
Bares e acordes de MPB pagam pra ver
Cores, móveis e porta-retratos
Não sei se foi o álcool ou algo entre nós dois
Suas mãos me encenaram em atos
Se feitos de paixão, o que vem depois?
F#m E
E depois... são madrugadas que calam você
Tantas esquinas que aguardam um depois
Bares e acordes de MPB pagam pra ver
2.8.18
Carta a um amor retardatário
Amor tem prazo, dia e hora. Tem lugar também.
Irônico pensar em quem me disse isso, de outra forma, e eu discordei. E eu ainda não consigo concordar, mesmo vendo o quanto isso tem de verdade. Mesmo vivendo isso, em certa medida. Essas palavras estão aqui há dias, semanas. Meses. Meses, e você sabe muito bem. Eu mesma relutei muito em ver e aceitar. Eu não queria assumir pra mim que, depois de tudo, isso realmente estava acontecendo. E por isso tentei.
Meses, desde o final do ano retrasado (!!!) eu tenho tentado. Desde aquele dia que banquei a louca e baixei naquele bar que você tava tocando pra te dizer que tava disposta. Você disse que eu estava diferente. Que tinha mudado. Não sabia explicar, mas "algo tinha acontecido". Eu insisti que eu estava lá e isso devia bastar. Você disse que devíamos viajar juntos, você sabe por que vacilei. Você sabe muito bem.
Você sabe também que eu tinha medo de ter algo com você de novo. Mas depois, sei lá, acho que eu devia ter feito antes, eu ia ter percebido. Ou não? Foi tudo no tempo certo? "Tempo certo" no nosso quadro atual parece até sacanagem da minha parte, não é? Mas talvez o certo seja esse mesmo, eu me fuder duas vezes, porque no final das contas é isso. Eu me fuder por você não querer me ouvir, me entender e fingir que não estava nem aí (olha, eu acreditei. Eu acreditei muito, você é bem convincente). E me fuder agora, por você vir desse jeito, falando e fazendo essas coisas e pra mim não fazer a menor diferença.
É uma ingratidão da vida.
Irônico pensar em quem me disse isso, de outra forma, e eu discordei. E eu ainda não consigo concordar, mesmo vendo o quanto isso tem de verdade. Mesmo vivendo isso, em certa medida. Essas palavras estão aqui há dias, semanas. Meses. Meses, e você sabe muito bem. Eu mesma relutei muito em ver e aceitar. Eu não queria assumir pra mim que, depois de tudo, isso realmente estava acontecendo. E por isso tentei.
Meses, desde o final do ano retrasado (!!!) eu tenho tentado. Desde aquele dia que banquei a louca e baixei naquele bar que você tava tocando pra te dizer que tava disposta. Você disse que eu estava diferente. Que tinha mudado. Não sabia explicar, mas "algo tinha acontecido". Eu insisti que eu estava lá e isso devia bastar. Você disse que devíamos viajar juntos, você sabe por que vacilei. Você sabe muito bem.
Você sabe também que eu tinha medo de ter algo com você de novo. Mas depois, sei lá, acho que eu devia ter feito antes, eu ia ter percebido. Ou não? Foi tudo no tempo certo? "Tempo certo" no nosso quadro atual parece até sacanagem da minha parte, não é? Mas talvez o certo seja esse mesmo, eu me fuder duas vezes, porque no final das contas é isso. Eu me fuder por você não querer me ouvir, me entender e fingir que não estava nem aí (olha, eu acreditei. Eu acreditei muito, você é bem convincente). E me fuder agora, por você vir desse jeito, falando e fazendo essas coisas e pra mim não fazer a menor diferença.
É uma ingratidão da vida.
1.8.18
Péssimos Aires
Assim que decidi conhecer o Acre, fui alertada por inúmeros amigos de que um lugar inóspito me aguardava. Eu sou editora, e fui imbuída do meu profundo desejo de fazer uma edição em vários tomos dos textos do Menino do Acre, então nenhuma intempérie poderia me parar. Recebi toda sorte de alerta, a principal delas, que eu deveria ter certa cautela com as lendas que lá existiam, pois poderiam se tornar reais em um piscar de óleos se eu desse bobeira. E como boba é tudo que sou, todos estavam amiúde preocupados comigo.
Peguei o VOLP e o manual do ISBN e rumei destemida para o desconhecido. Se Deus é pornôs, quem será contra nós? Disse uma vez o célebre pastor Rocco Siegfried. Como sua boa seguidora, entoava o mantra.
Assim que cheguei, fui logo tratando de me misturar aos locais. Conheci Potencial, um belo espécime de 2,10m, com um hábito pouco convencional de comer vizinhas. Isso era literal, Potencial vinha de uma antiga tribo de canibais, outrora estudada por quase célebres antropólogos. Digo quase porque todos foram comidos antes de divulgar seus preciosos achados.
Potencial estava deveras preocupado nos últimos tempos com uma lenda nova que se alastrava pela região. Como eu era uma outsider, ele se dispôs a se abrir comigo sem me comer. Pena, era exacerbadamente gostosinho.
Peguei o VOLP e o manual do ISBN e rumei destemida para o desconhecido. Se Deus é pornôs, quem será contra nós? Disse uma vez o célebre pastor Rocco Siegfried. Como sua boa seguidora, entoava o mantra.
Assim que cheguei, fui logo tratando de me misturar aos locais. Conheci Potencial, um belo espécime de 2,10m, com um hábito pouco convencional de comer vizinhas. Isso era literal, Potencial vinha de uma antiga tribo de canibais, outrora estudada por quase célebres antropólogos. Digo quase porque todos foram comidos antes de divulgar seus preciosos achados.
Potencial estava deveras preocupado nos últimos tempos com uma lenda nova que se alastrava pela região. Como eu era uma outsider, ele se dispôs a se abrir comigo sem me comer. Pena, era exacerbadamente gostosinho.
29.7.18
Sob um milhão de estrelas
Ela sabia o quanto mexia comigo, sempre soube. Tinha se mudado recentemente e a casa estava “de cabeça pra baixo”, foi o que me disse, pediu para darmos uma arejada pela cidade.
Eu conhecia cada entrelinha e metáfora muito bem. As mensagens insinuadas meio tímidas, a saia, o perfume específico, até o jeito de repartir o cabelo. Tudo mudava conforme suas intenções, e, aquele dia, quando parei o carro e a vi trancando o cadeado, eu sabia.
Veio queimando sem me deixar levantar, pensar ou qualquer outra coisa, na hora que abri a porta do carro para recebê-la. Sentou no meu colo e minhas mãos foram, automáticas, para sua blusa. Arranhei suas costas enquanto ela me beijava. Boca, pescoço, peito… Segurou meu pau como se fosse dela. E, de certa forma, sempre foi.
Eu conhecia cada entrelinha e metáfora muito bem. As mensagens insinuadas meio tímidas, a saia, o perfume específico, até o jeito de repartir o cabelo. Tudo mudava conforme suas intenções, e, aquele dia, quando parei o carro e a vi trancando o cadeado, eu sabia.
Veio queimando sem me deixar levantar, pensar ou qualquer outra coisa, na hora que abri a porta do carro para recebê-la. Sentou no meu colo e minhas mãos foram, automáticas, para sua blusa. Arranhei suas costas enquanto ela me beijava. Boca, pescoço, peito… Segurou meu pau como se fosse dela. E, de certa forma, sempre foi.
Me conte coisas, me conte tudo
Eu quero ser a pessoa que conhece você mais do que ninguém, você deixa?
Então me conta…
Daquela primeira vez que você ralou o joelho, quando você caiu de bicicleta e doeu pra caramba. Quando você chorou escondido no banheiro do colégio.
Me fala… Se você tinha medo de trovoada, se ficava assustado quando ventava muito, ou se mais terrível do que tudo isso era mostrar um boletim vermelho pros seus pais.
Qual foi a coisa besta que mais te deixou orgulhoso? Aquela nota alta em uma matéria que você sempre achou difícil ou quebrar a cara do valentão da sala?
Quando uma abelha picou sua boca. Se você teve medo do monstro no armário ou de um fantasma embaixo da cama pegar seu pé.
Então me conta…
Daquela primeira vez que você ralou o joelho, quando você caiu de bicicleta e doeu pra caramba. Quando você chorou escondido no banheiro do colégio.
Me fala… Se você tinha medo de trovoada, se ficava assustado quando ventava muito, ou se mais terrível do que tudo isso era mostrar um boletim vermelho pros seus pais.
Qual foi a coisa besta que mais te deixou orgulhoso? Aquela nota alta em uma matéria que você sempre achou difícil ou quebrar a cara do valentão da sala?
Quando uma abelha picou sua boca. Se você teve medo do monstro no armário ou de um fantasma embaixo da cama pegar seu pé.
Metonímia
Isso é muito menos um texto e muito mais o que eu queria te falar. Mas faz parte daquelas coisas que não devem ser ditas, e a gente fica assim, fingindo que nós dois somos só a desculpa – ou a metonímia – que, como escritora, preciso.
Nunca fui muito de levar ninguém a sério. Nunca precisou de mais de poucas semanas de convivência, sabe? Eu já começava a achar a pessoa completamente idiota e qualquer semente de admiração que pudesse crescer era completamente destruída.
Mas com você é diferente. Eu vivo comentando do nosso sexo, da nossa química, do nosso encaixe. Mas não é mesmo só isso que é diferente-incrível-perfeito com você.
Quanto mais ficamos juntos e nos conhecemos, minha admiração por você só aumenta, eu só consigo te levar cada vez mais a sério. Eu sou encantadinha demais com seu jeito. Seu jeito de juntar os lábios e prender o cabelo. Seu jeito de me pegar de madrugada e de rir das minhas reações efusivas por adorar isso.
Seu jeito tão sério, seu jeito tão metódico, seu jeito tão homem. Mesmo nas nossas bobices. Porque são poucas pessoas que entendem que isso não tem nada a ver com seriedade.
Nossa redublagem de filmes e nossa adaptação de músicas. Nossas fodas memoráveis incomodando os vizinhos em vários bairros dessa cidade. E de tantas outras em que planejamos estar, não importando o quanto de verdade ou possibilidade tenha nisso.
Nunca fui muito de levar ninguém a sério. Nunca precisou de mais de poucas semanas de convivência, sabe? Eu já começava a achar a pessoa completamente idiota e qualquer semente de admiração que pudesse crescer era completamente destruída.
Mas com você é diferente. Eu vivo comentando do nosso sexo, da nossa química, do nosso encaixe. Mas não é mesmo só isso que é diferente-incrível-perfeito com você.
Quanto mais ficamos juntos e nos conhecemos, minha admiração por você só aumenta, eu só consigo te levar cada vez mais a sério. Eu sou encantadinha demais com seu jeito. Seu jeito de juntar os lábios e prender o cabelo. Seu jeito de me pegar de madrugada e de rir das minhas reações efusivas por adorar isso.
Seu jeito tão sério, seu jeito tão metódico, seu jeito tão homem. Mesmo nas nossas bobices. Porque são poucas pessoas que entendem que isso não tem nada a ver com seriedade.
Nossa redublagem de filmes e nossa adaptação de músicas. Nossas fodas memoráveis incomodando os vizinhos em vários bairros dessa cidade. E de tantas outras em que planejamos estar, não importando o quanto de verdade ou possibilidade tenha nisso.
18.7.18
Veja bem, meu bem
Tinha acordado de mau humor, o padrão de todos os dias. O que aliviava era que precisava dar aula. Não exatamente aliviava, mas pelas duas horas em que eu precisaria forjar sorrisos e animação, talvez a máscara se tornasse real.
Sou professora de dança do ventre em uma academia que fica do outro lado da cidade. Como sou nova na equipe, acabei pegando aquelas turmas em dias e horários esdrúxulos, que ninguém, com um pouco mais de status e poder de decisão, pegaria, tipo nem fodendo.
Estava com uma dor de cabeça safada, daquele tipo que prenuncia período menstrual, que te deixa meio molenga, meio insossa. Mais do já costumo ser no dia a dia. A aula de hoje? Sexta, às 20h.
Um amigo meu costuma falar que aula sexta às 20h não é trabalho, mas teste de resistência, e ele tem toda a razão. Principalmente considerando a distância, o trânsito zoado, eu sem carro e a obrigação de felicidade fazendo com que um compromisso nesse horário sempre frustre meus planos.
Estava quase no final da segunda aula quando ouço alguém bater na porta. Por padrão da academia, não deixamos as alunas fazerem a aula depois de certo tempo de atraso, por questões de aquecimento e coisas do tipo, mas atender à porta era o mínimo, mais ainda àquela hora; nem que fosse pra compartilhar um papo rápido sobre algum cara de aplicativos de relacionamentos ou sobre a partícula de Deus, eu estava sempre aberta ao que viesse.
Faltavam exatos quatro minutos para terminar a aula, e eu divagando que talvez fosse alguém da recepção querendo nos adiantar pra poder fechar a academia.
Errei em todas as suposições. Não era aluna atrasada, nem funcionário apressado. Era ele. Tarcísio.
Sou professora de dança do ventre em uma academia que fica do outro lado da cidade. Como sou nova na equipe, acabei pegando aquelas turmas em dias e horários esdrúxulos, que ninguém, com um pouco mais de status e poder de decisão, pegaria, tipo nem fodendo.
Estava com uma dor de cabeça safada, daquele tipo que prenuncia período menstrual, que te deixa meio molenga, meio insossa. Mais do já costumo ser no dia a dia. A aula de hoje? Sexta, às 20h.
Um amigo meu costuma falar que aula sexta às 20h não é trabalho, mas teste de resistência, e ele tem toda a razão. Principalmente considerando a distância, o trânsito zoado, eu sem carro e a obrigação de felicidade fazendo com que um compromisso nesse horário sempre frustre meus planos.
Estava quase no final da segunda aula quando ouço alguém bater na porta. Por padrão da academia, não deixamos as alunas fazerem a aula depois de certo tempo de atraso, por questões de aquecimento e coisas do tipo, mas atender à porta era o mínimo, mais ainda àquela hora; nem que fosse pra compartilhar um papo rápido sobre algum cara de aplicativos de relacionamentos ou sobre a partícula de Deus, eu estava sempre aberta ao que viesse.
Faltavam exatos quatro minutos para terminar a aula, e eu divagando que talvez fosse alguém da recepção querendo nos adiantar pra poder fechar a academia.
Errei em todas as suposições. Não era aluna atrasada, nem funcionário apressado. Era ele. Tarcísio.
15.7.18
Amor da vida x amor pra vida
Nas últimas semanas tem circulado uma modinha bem escrota, depois que Justin Bieber anunciou um provável casamento com a namorada (não com a Selena).
Entendo que fãs tendem a se apropriar das supostas dores de seus ídolos, mas celebridades são necessariamente vitrines, não se esqueçam, ninguém está dentro (embora muitos quisessem) do Justin Bieber ou das respectivas pra supor sentimento, já começa daí.
A questão é que isso gerou um bordão que se aplica bem aos nossos tempos fragmentados: "Amor da vida x amor pra vida". O primeiro seria a pessoa que você gosta; o segundo, a que "dá certo". Essa ideia toda é no mínimo nojenta e, na pior das hipóteses, canalha.
Você gostaria de ser o amor pra vida de alguém? Acho bem difícil. Então porque romantizar essa ideia, supostamente cheia de razão, de estar com uma pessoa porque "dá certo" e não porque realmente gosta dela?
Entendo que fãs tendem a se apropriar das supostas dores de seus ídolos, mas celebridades são necessariamente vitrines, não se esqueçam, ninguém está dentro (embora muitos quisessem) do Justin Bieber ou das respectivas pra supor sentimento, já começa daí.
A questão é que isso gerou um bordão que se aplica bem aos nossos tempos fragmentados: "Amor da vida x amor pra vida". O primeiro seria a pessoa que você gosta; o segundo, a que "dá certo". Essa ideia toda é no mínimo nojenta e, na pior das hipóteses, canalha.
Você gostaria de ser o amor pra vida de alguém? Acho bem difícil. Então porque romantizar essa ideia, supostamente cheia de razão, de estar com uma pessoa porque "dá certo" e não porque realmente gosta dela?
7.7.18
Tem coisa pra comer aqui?
Quando conheci Valentina, perdi o ar. Tinha um cecê tão intenso que tive que prender a respiração por severos minutos. Mas como as pizzas suvacais não eram as únicas, também havia de estrogonofe de camarão com rabada, resisti firmemente.
Comedor que sou, não ia dispensar aquele material todo por um mero detalhe que qualquer banho de sal grosso com três ave-marias e creolina daria jeito.
Logo estreitamos contato e passamos a viver as mais altas aventuras alucinantes juntos, dignas de Sessão da Tarde. Muito descoladões, decidimos que seria de bom-tom revirar as boates de suingue da cidade, já que nem eu nem ela éramos locais de onde estávamos morando, e tudo tinha aquele cheiro pueril de novidade.
Mal adentramos o recinto, eu ainda fazendo o cadastro, Valentina já mostrou logo a que veio:
- Tem alguma coisa pra comer aqui? - disse serena.
Duas donzelas e seis rapazes rapidamente prostraram-se de quatro na frente dela, dando seta de cu. Mesmo parafílica, obesa 3 toda vida, desprezou, dizendo que a comida a que se referia era literal. Desse tipo não tinha, todos no ambiente se sentiram ultrajados com a desfeita, Valentina desculpou-se e prometeu se redimir mais tarde, mostrando o avantajadíssimo cintaralho que levara consigo.
Comedor que sou, não ia dispensar aquele material todo por um mero detalhe que qualquer banho de sal grosso com três ave-marias e creolina daria jeito.
Logo estreitamos contato e passamos a viver as mais altas aventuras alucinantes juntos, dignas de Sessão da Tarde. Muito descoladões, decidimos que seria de bom-tom revirar as boates de suingue da cidade, já que nem eu nem ela éramos locais de onde estávamos morando, e tudo tinha aquele cheiro pueril de novidade.
Mal adentramos o recinto, eu ainda fazendo o cadastro, Valentina já mostrou logo a que veio:
- Tem alguma coisa pra comer aqui? - disse serena.
Duas donzelas e seis rapazes rapidamente prostraram-se de quatro na frente dela, dando seta de cu. Mesmo parafílica, obesa 3 toda vida, desprezou, dizendo que a comida a que se referia era literal. Desse tipo não tinha, todos no ambiente se sentiram ultrajados com a desfeita, Valentina desculpou-se e prometeu se redimir mais tarde, mostrando o avantajadíssimo cintaralho que levara consigo.
5.7.18
Eu preciso dela pra escrever
Todo artista tem algum nível de sacrifício em prol de sua arte. Vide o amplo rol de filmes que transformam o autoflagelo em heroísmo, tornando a arte algoz de seus eleitos. O contraponto da nossa ferida aberta não se retrai: todo artista tem algum nível de pecado a que se permite em prol de sua arte.
Talvez o feeling indefinível da arte resida justamente nesse castelo de cartas em que abnegação e egoísmo se apoiam disputando o equilíbrio.
Também eu tenho minha via crucis e meus tropeços.
Talvez o feeling indefinível da arte resida justamente nesse castelo de cartas em que abnegação e egoísmo se apoiam disputando o equilíbrio.
Também eu tenho minha via crucis e meus tropeços.
12.6.18
Amores que deram certo não têm nenhuma graça
Dia dos namorados e toda a falsa guerra entre casais melosos e solteiros convictos é só superfície do que todos carregam ou já carregaram consigo. Os não amores. Amores não amados, amados pela metade, excessivamente amados, amados do modo errado.
Aqueles amores que não eram pra ter acontecido, de festas, shows e outros estados. Amores meio enviesados, no trabalho, na família, desafiando a monogamia. Amores excessivos, de mesas de cartomantes, ciúmes doentios de vestidos colados e ligações insanas de madrugada. Amores confusos e urgentes de escrita compulsiva, tesão conturbado e mudança de endereço.
Aqueles amores que não eram pra ter acontecido, de festas, shows e outros estados. Amores meio enviesados, no trabalho, na família, desafiando a monogamia. Amores excessivos, de mesas de cartomantes, ciúmes doentios de vestidos colados e ligações insanas de madrugada. Amores confusos e urgentes de escrita compulsiva, tesão conturbado e mudança de endereço.
25.5.18
Eu nunca amei você
Sabe, Elizabeth, eu nunca amei você.
Você prendendo seus cabelos meio sem graça com minhas piadas rudes ou perdendo os óculos no meu quarto. Seu fundo fanho na voz, seu jeito de se afastar, em tantos sentidos. Nada disso pra mim nunca foi amor.
Eu nunca amei seu abraço pouco entregue, aquele sorriso de lado, sobrancelhas, mãos, desvio de septo, olhos sorrindo nos meus, cheiro doce invasivo, pensamentos insones e turbulentos que te fazem pegar o carro de madrugada sem rumo. Que te fazem se questionar, porque é tão dona da verdade que acha que sabe a fórmula até pra aplicar a si mesma, e falha.
Não, eu nunca amei você.
Você prendendo seus cabelos meio sem graça com minhas piadas rudes ou perdendo os óculos no meu quarto. Seu fundo fanho na voz, seu jeito de se afastar, em tantos sentidos. Nada disso pra mim nunca foi amor.
Eu nunca amei seu abraço pouco entregue, aquele sorriso de lado, sobrancelhas, mãos, desvio de septo, olhos sorrindo nos meus, cheiro doce invasivo, pensamentos insones e turbulentos que te fazem pegar o carro de madrugada sem rumo. Que te fazem se questionar, porque é tão dona da verdade que acha que sabe a fórmula até pra aplicar a si mesma, e falha.
Não, eu nunca amei você.
24.5.18
Talvez escritores sejam mesmo de fato videntes
Esses dias um cara me perguntou se escritores são videntes. Porque parece que só sendo vidente pra conseguir falar com tanta precisão daquela dor que só você conhece, daquela pontada no peito que você sentiu quando viu ele passando do outro lado da rua ou de como aquele cheiro no cabelo te faz acreditar que viver tem sentido.
Como um escritor poderia saber com tanta precisão o quanto te dilacera ver aquela letra toda torta subindo na linha do caderno ou que você passou meses sem conseguir ouvir sua música preferida?
Escritores sabem, escritores sempre sabem. Às vezes até melhor do que você daqueles sentimentos que te apertam a garganta e de repente embrulham seu estômago por causa de uma lembrança inesperada que doeu mais do que devia.
Escritores, quando leem o que escreveram, percebem que seus textos sabem até mais do que eles mesmos se deram conta antes de os ter escrito. E qualquer inversão de frase só serve pra mostrar o quanto sua mente e seu coração caóticos só conseguem se organizar um pouco assim, escrevendo.
Como um escritor poderia saber com tanta precisão o quanto te dilacera ver aquela letra toda torta subindo na linha do caderno ou que você passou meses sem conseguir ouvir sua música preferida?
Escritores sabem, escritores sempre sabem. Às vezes até melhor do que você daqueles sentimentos que te apertam a garganta e de repente embrulham seu estômago por causa de uma lembrança inesperada que doeu mais do que devia.
Escritores, quando leem o que escreveram, percebem que seus textos sabem até mais do que eles mesmos se deram conta antes de os ter escrito. E qualquer inversão de frase só serve pra mostrar o quanto sua mente e seu coração caóticos só conseguem se organizar um pouco assim, escrevendo.
20.5.18
Não dá pra ser 2 quando a gente não tem direção
Você precisa entender que eu nunca teria te dispensado. É que às vezes a gente não consegue ser suficiente nem pra gente mesmo.
Parece falta de vontade, frieza, chame como for. Seu coração partido te leva a dar nomes terríveis para esse tipo de coisa. Mas é preciso enxergar além da aparência de mensagens com respostas demoradas e telefonemas com certo atraso em relação a quando você queria que tivessem tocado.
Eu achei melhor me afastar. Você parecia tão pronta, toda embalada e selada na minha mão, enquanto minhas mãos eram poeira. Eu não era propriamente essas válvulas propulsoras que você parecia esperar – ou pelo menos desejar – de mim.
Às vezes é mais fácil se afastar, sufocar um sentimento ou até mesmo fingir que nunca existiu do que lidar com essas situações, que nos confrontam de um jeito que não podemos naquela hora. Está além de vontades, entende? É toda uma rede intricada de coisas minhas, que nada dizem respeito a você. Que não têm que dizer respeito a você. E quando você vem, querendo se jogar nela… Bem, ela se rompe.
Parece falta de vontade, frieza, chame como for. Seu coração partido te leva a dar nomes terríveis para esse tipo de coisa. Mas é preciso enxergar além da aparência de mensagens com respostas demoradas e telefonemas com certo atraso em relação a quando você queria que tivessem tocado.
Eu achei melhor me afastar. Você parecia tão pronta, toda embalada e selada na minha mão, enquanto minhas mãos eram poeira. Eu não era propriamente essas válvulas propulsoras que você parecia esperar – ou pelo menos desejar – de mim.
Às vezes é mais fácil se afastar, sufocar um sentimento ou até mesmo fingir que nunca existiu do que lidar com essas situações, que nos confrontam de um jeito que não podemos naquela hora. Está além de vontades, entende? É toda uma rede intricada de coisas minhas, que nada dizem respeito a você. Que não têm que dizer respeito a você. E quando você vem, querendo se jogar nela… Bem, ela se rompe.
Afoga e afaga
As gotas inclementes na minha janela me fizeram perder o sono. Ainda era madrugada.
Os silêncios aqui no quarto apertavam meu peito. A tranquilidade do bairro, que parece que nada nunca acontece, me tirava a paz. O olhar inerte para carros, pessoas e acontecimentos que não passam. Maldita janela filtrando a vida.
Viro a cabeça para o teto. Os vazios dos nadas desse lá fora não são tão diferentes da colisão dos meus pensamentos.
Afoga e afaga, escreveu ele.
Os silêncios aqui no quarto apertavam meu peito. A tranquilidade do bairro, que parece que nada nunca acontece, me tirava a paz. O olhar inerte para carros, pessoas e acontecimentos que não passam. Maldita janela filtrando a vida.
Viro a cabeça para o teto. Os vazios dos nadas desse lá fora não são tão diferentes da colisão dos meus pensamentos.
Afoga e afaga, escreveu ele.
13.5.18
Eu quero criar, eu não quero ser feliz
Faz dias, semanas, meses. Eu sequei.
Claro que eu, até então escritora compulsiva, estranhei. Escritora compulsiva e, o principal, workaholic. Comecei a atrasar trabalhos. A me "esquecer" de escrever, a protelar textos. E os que saíam, porque a obrigação vinha a cavalo, eram piores do que se não tivessem saído: não eram inspirados. Eram falsos.
Eu prometia textos aos amigos, como sempre, mas agora já não saíam. Eu nunca mais tive a inspiração urgente de textos inteiros serem vomitados no celular, enquanto estivesse no metrô, no bloco de notas, no meio de uma reunião de trabalho via Skype, no caderno, na aula da pós. Parei de deixar pessoas falando sozinhas porque uma nuance me inspirou e precisei escrever.
Quando comecei a reparar isso em mim, a primeira coisa que senti foi agonia. Eu tinha tão boas frases à espera, tantas conversas, tantas coisas que tinha visto. Como sempre. Mas, dessa vez...
A mensagem súbita daquela paixão que me fez chorar durante a noite ouvindo sertanejo. O corte reiterado de algum ex-amor que deixa seu cheiro nas minhas esquinas. Nada surtia efeito.
Foi quando ouvi uma reclamação de um fã de alguma cantora pop que veio o baque. "A Fulana não faz mais música boa porque agora é feliz."
Então a resposta me veio óbvia. Parei de escrever porque estava feliz. Ser feliz tirou a alma dos meus textos.
Claro que eu, até então escritora compulsiva, estranhei. Escritora compulsiva e, o principal, workaholic. Comecei a atrasar trabalhos. A me "esquecer" de escrever, a protelar textos. E os que saíam, porque a obrigação vinha a cavalo, eram piores do que se não tivessem saído: não eram inspirados. Eram falsos.
Eu prometia textos aos amigos, como sempre, mas agora já não saíam. Eu nunca mais tive a inspiração urgente de textos inteiros serem vomitados no celular, enquanto estivesse no metrô, no bloco de notas, no meio de uma reunião de trabalho via Skype, no caderno, na aula da pós. Parei de deixar pessoas falando sozinhas porque uma nuance me inspirou e precisei escrever.
Quando comecei a reparar isso em mim, a primeira coisa que senti foi agonia. Eu tinha tão boas frases à espera, tantas conversas, tantas coisas que tinha visto. Como sempre. Mas, dessa vez...
A mensagem súbita daquela paixão que me fez chorar durante a noite ouvindo sertanejo. O corte reiterado de algum ex-amor que deixa seu cheiro nas minhas esquinas. Nada surtia efeito.
Foi quando ouvi uma reclamação de um fã de alguma cantora pop que veio o baque. "A Fulana não faz mais música boa porque agora é feliz."
Então a resposta me veio óbvia. Parei de escrever porque estava feliz. Ser feliz tirou a alma dos meus textos.
5.5.18
Nada apaga você
Podem passar tempo, estações e outros homens.
O tempo, mesmo aquele que gastei gostoso com risadas e algum entorpecente de final de tarde. As estações mais leves de vento batendo no rosto e pôr do sol em viagens a pé de cara e coragem. Ou até aqueles homens que deixam o gosto da permanência, aqueles óbvios que me fazem escrever sonetos, aqueles raros que me fazem desenhar e compor.
Nada apaga você.
Tem dias que é foda. E a culpa não é da nossa troca de e-mails com seu elogio improvável aos meus textos ou seu áudio leviano sem motivo. Tem dias que você simplesmente está aqui.
O tempo, mesmo aquele que gastei gostoso com risadas e algum entorpecente de final de tarde. As estações mais leves de vento batendo no rosto e pôr do sol em viagens a pé de cara e coragem. Ou até aqueles homens que deixam o gosto da permanência, aqueles óbvios que me fazem escrever sonetos, aqueles raros que me fazem desenhar e compor.
Nada apaga você.
Tem dias que é foda. E a culpa não é da nossa troca de e-mails com seu elogio improvável aos meus textos ou seu áudio leviano sem motivo. Tem dias que você simplesmente está aqui.
Tem dias que a gente sabe que perdeu
Tem dias que a gente sabe que perdeu.
É muito bom todo esse discurso de não abaixar a cabeça, de seguir a luta e essa coisa toda. E ele tem muita verdade. Mas tem dias que, simplesmente, a gente sabe que perdeu.
Aquela vaga que você queria no trabalho, aquele concurso pelo qual você esperou dois anos, um passo de dança bobo que não saiu certo na aula, aquele áudio que você mandou e nunca vai ficar azul.
Não importa o que foi. Às vezes não foi nada disso. Às vezes foi tudo isso junto.
Às vezes nada precisou acontecer, você só percebeu. Constatou. Respirou fundo se olhando no espelho e prendeu a vontade de chorar. Ou deixou rolar quando tocou aleatoriamente alguma música do Aerosmith. E você pensou nele. Ou nela. Mas não foi o pensamento que doeu. O pensamento foi só o estalo mesmo, aquele soquinho final no peito, só mesmo pra te avisar que você perdeu. É isso. Você perdeu. Você sabe disso.
A vida é feita disso. Dos golpes de magia e das constatações das nossas perdas em banheiros de boates de quinta. Você sai feliz com sua melhor amiga e vê ele beijando outra. Quando você achava que já tinha superado, é claro. Você chega feliz no trabalho, realizado por estar ali, e é demitido. Você chega na sua aula preferida e o professor, também assolado pelas próprias perdas, te dá um esculacho que te deixa triste.
É muito bom todo esse discurso de não abaixar a cabeça, de seguir a luta e essa coisa toda. E ele tem muita verdade. Mas tem dias que, simplesmente, a gente sabe que perdeu.
Aquela vaga que você queria no trabalho, aquele concurso pelo qual você esperou dois anos, um passo de dança bobo que não saiu certo na aula, aquele áudio que você mandou e nunca vai ficar azul.
Não importa o que foi. Às vezes não foi nada disso. Às vezes foi tudo isso junto.
Às vezes nada precisou acontecer, você só percebeu. Constatou. Respirou fundo se olhando no espelho e prendeu a vontade de chorar. Ou deixou rolar quando tocou aleatoriamente alguma música do Aerosmith. E você pensou nele. Ou nela. Mas não foi o pensamento que doeu. O pensamento foi só o estalo mesmo, aquele soquinho final no peito, só mesmo pra te avisar que você perdeu. É isso. Você perdeu. Você sabe disso.
A vida é feita disso. Dos golpes de magia e das constatações das nossas perdas em banheiros de boates de quinta. Você sai feliz com sua melhor amiga e vê ele beijando outra. Quando você achava que já tinha superado, é claro. Você chega feliz no trabalho, realizado por estar ali, e é demitido. Você chega na sua aula preferida e o professor, também assolado pelas próprias perdas, te dá um esculacho que te deixa triste.
28.4.18
Madrugadas se conjugam no imperativo
Aquele dia na sua casa, quando te pedi pra me ajudar a escrever, eu te disse que madrugadas se conjugam no imperativo.
Hoje, aqui, vendo a cidade que passa em câmera lenta da minha janela, penso no quanto tantas coisas que falamos e vivemos só fazem sentido depois.
Aquelas coisas que só sentimos de fato depois que passam: a falta, a convicção, o peso da responsabilidade do tempo, o pensamento no outro.
Essas madrugadas, conjugadas no imperativo, em que você está aí, perdida nas linhas julgando se particípio ou gerúndio vão fazer seu leitor ir procurar seu nome na página de créditos, enquanto eu deixo as próximas músicas já engatadas pra ter um segundo olhando o mar. O mar que não é meu, é seu. Ou era?
20.4.18
Resenha do livro 12 Regras para a Vida
Quando o Oráculo de Delfos incumbiu os 12 trabalhos a Hércules, de alguma forma também o recompensou; afinal, a conclusão das tarefas lhe daria a imortalidade. As dimensões individual e coletiva já se imbricavam aí: Hércules não estava meramente sofrendo em prol do bem maior, seu sofrimento tinha um objetivo pessoal bem óbvio, ou seja, um significado.
Contra as pretensões do herói da epopeia, a maçã de Adão de todos os males, o indivíduo é importante, não adianta pensar o coletivo sem antes pensar no sujeito. Esse é o mesmo mote do livro de Peterson, 12 Regras para a Vida, significar a vida sob uma perspectiva particular, primeiramente.
De forma similar, Peterson também teve seus 12 trabalhos, e não foram mais fáceis do que lutar com leões ou hidras. (Pelo menos Hércules poderia ter o eventual auxílio de algum deus ex machina.) Peterson, como pesquisador, psicólogo clínico e escritor, incumbe a si mesmo a missão de orientar um indivíduo fragmentado em uma sociedade que, embora preze a dimensão individual, ainda idolatra a ascese e o automartírio como prova de grande caráter. E surgem ansiedade e seus derivados, as psicopatologias com que esbarramos em todas as esquinas, inclusive, sem surpresa, em nós mesmos.
Eu preferia que nós dois nunca tivéssemos dado certo
Quando você ressurgiu mandando mensagem, achei que seria só mais uma foda e que depois você iria embora, como das outras vezes. Eu estava curada de você, então não tinha problema nenhum, e uma foda contigo não se dispensa por essas bobagens de orgulho.
Mas houve outras vezes. Nós continuamos. Em todas elas eu estava imune ainda, sabe? Eu realmente pensava que eram só fodas casuais e pronto. E que era só isso mesmo pra nós dois. Em momento nenhum eu acreditei, então não tive medo, nem aviso, nem cautela. Pra que me preocupar com essas coisas? A qualquer momento iríamos pular fora ilesos, isso parecia tão certo.
Fico pensando em que momento teria sido seguro parar.
Eu preferia que você não tivesse voltado.
Mas houve outras vezes. Nós continuamos. Em todas elas eu estava imune ainda, sabe? Eu realmente pensava que eram só fodas casuais e pronto. E que era só isso mesmo pra nós dois. Em momento nenhum eu acreditei, então não tive medo, nem aviso, nem cautela. Pra que me preocupar com essas coisas? A qualquer momento iríamos pular fora ilesos, isso parecia tão certo.
Fico pensando em que momento teria sido seguro parar.
Eu preferia que você não tivesse voltado.
19.4.18
Eu matei você
Tem uma frase que rola aí pela internet cuja autoria já se perdeu, que diz algo como “se um escritor se apaixonar por você, você nunca morrerá”. Bom, adivinha? Você acabou de quebrar essa regra, porque você acabou de morrer. Um escritor foi ridícula e completamente apaixonado por você durante quase três anos, mas você acabou de morrer. Você não fez nada de errado, muito pelo contrário. Se você fosse uma amiga minha na mesma situação eu a aconselharia a fazer exatamente o que você fez e faz até o momento: cortar todo e qualquer tipo de contato.
Mas a gente sempre aconselha nossos amigos imaginando que, do outro lado, tem um psicopata que mata bebês foca com tacos de baseball com pregos molhados em álcool. Mas nem sempre é assim, nem sempre um dos lados é malvado e o outro bonzinho. Geralmente os dois lados são bonzinhos e os dois são malvados. Mas por isso você teve que morrer.
Porque do seu lado, tudo ok, ignora, passou, superou, vida que segue. Do meu, dois anos congelados no tempo e no espaço, que se passaram mais rápido que coelho com ejaculação precoce. Fui dormir no dia que você saiu da minha casa chorando e acordei hoje. Nada aconteceu. Nada se passou. Fui ao apartamento semana passada e te vi por lá o dia inteiro. Até tentei tirar um cochilo pra ver se acordava dois anos atrás, mas parece que esse tipo de coisa não existe. Eu acordei e você continuava aí, eu aqui.
Porque do seu lado, tudo ok, ignora, passou, superou, vida que segue. Do meu, dois anos congelados no tempo e no espaço, que se passaram mais rápido que coelho com ejaculação precoce. Fui dormir no dia que você saiu da minha casa chorando e acordei hoje. Nada aconteceu. Nada se passou. Fui ao apartamento semana passada e te vi por lá o dia inteiro. Até tentei tirar um cochilo pra ver se acordava dois anos atrás, mas parece que esse tipo de coisa não existe. Eu acordei e você continuava aí, eu aqui.
13.4.18
Eu me apaixonei pelo gótico certo
Tinha recentemente me mudado para o apartamento dos meus sonhos. Último andar do prédio, vista indevassável para a praia do Leblon. Eu mal estava acreditando naquilo. O apartamento era perfeito e me custaria módicos 300 reais mensais entre aluguel e condomínio. Nem me importei com a cláusula contratual que me obrigava a pagar um ano adiantado como um resguardo em caso de "morte incidental".
Muitos me avisaram que não era amor, era cilada, só porque todas as inquilinas anteriores, todas com o meu perfil, baixinhas, bunda gigante, quatro olhos, vesgas e esquisitas, tinham morrido da mesma forma: haviam "se atirado" misteriosamente da janela com apenas uma semana após a mudança, sem nenhuma ter histórico de depressão ou algo do tipo. Suspeitavam que algum fantasma assombrava o apartamento.
- Meu amor, mais assustador que meu saldo bancário nada é, então tô preparada pra tudo - era minha resposta padrão pra todos.
Até pro cagão do corretor, que, devido às pressões da polícia, justiça e mídia (clima ameno), preferiu me avisar do ocorrido e colocar uma cláusula no contrato também sobre a "janela do suicídio" pra já tirar o dele da reta. Frouxo! Eu como camarão na praia, gente! Desde quando vou ter medo de alma? Vocês só podem estar de sacanagem.
Muitos me avisaram que não era amor, era cilada, só porque todas as inquilinas anteriores, todas com o meu perfil, baixinhas, bunda gigante, quatro olhos, vesgas e esquisitas, tinham morrido da mesma forma: haviam "se atirado" misteriosamente da janela com apenas uma semana após a mudança, sem nenhuma ter histórico de depressão ou algo do tipo. Suspeitavam que algum fantasma assombrava o apartamento.
- Meu amor, mais assustador que meu saldo bancário nada é, então tô preparada pra tudo - era minha resposta padrão pra todos.
Até pro cagão do corretor, que, devido às pressões da polícia, justiça e mídia (clima ameno), preferiu me avisar do ocorrido e colocar uma cláusula no contrato também sobre a "janela do suicídio" pra já tirar o dele da reta. Frouxo! Eu como camarão na praia, gente! Desde quando vou ter medo de alma? Vocês só podem estar de sacanagem.
7.4.18
Talvez o amor não seja, esteja sendo
Eu não sei o que é o amor, por isso esse texto é uma aposta.
Eu rolo os dados e não sei se quero olhar o resultado. Amor assusta, né? E às vezes é mesmo melhor não termos uma resposta.
Essa palavra faz uns retesarem alguns músculos, se esquivarem fechando os ombros. Também faz olhos brilharem e carrega um súbito pensamento involuntário em alguém.
Eu nunca achei que amor fosse algo decretado e muito certo, ou que te enchesse de certezas, paz e segurança o tempo todo. O nome disso é quitação de financiamento, e amor tem um quê de nome no Serasa.
Eu sempre achei que o amor gosta de se esconder, e dormir um pouco, e de aparecer em alguns momentos, em alguns estalos.
Eu rolo os dados e não sei se quero olhar o resultado. Amor assusta, né? E às vezes é mesmo melhor não termos uma resposta.
Essa palavra faz uns retesarem alguns músculos, se esquivarem fechando os ombros. Também faz olhos brilharem e carrega um súbito pensamento involuntário em alguém.
Eu nunca achei que amor fosse algo decretado e muito certo, ou que te enchesse de certezas, paz e segurança o tempo todo. O nome disso é quitação de financiamento, e amor tem um quê de nome no Serasa.
Eu sempre achei que o amor gosta de se esconder, e dormir um pouco, e de aparecer em alguns momentos, em alguns estalos.
20.3.18
Dos insights psicanalíticos
Quando escrevo que eu queria chegar em casa e sair catando a bagunça que você faz, irritada por você deixar cada coisa em um canto e nos lugares mais improváveis, queria que você entendesse que não estou supondo que você seja assim. Ou reclamando das vezes (sim, eu sei que foi um único dia "na vida real") que você fez isso lá em casa. Não estou dizendo que te conheço muito e te meço por um episódio isolado e que já te projetei como planta de arquitetura na minha vida, ou já estruturei uma que seria nossa.
Queria que você entendesse que não estou dizendo que eu sou assim, também. Eu posso gostar ou não de bagunça. Eu posso me irritar ou não. Eu posso reparar ou não. Se eu poetizo, romantizo, não entenda como algo pessoal ou muito menos já definido e decretado.
Quando escrevo coisas desse tipo, sobre personalidades e convivência, presto um duplo serviço. Escritores precisam criar imagens, escritores precisam gerar identificação. E todo mundo, em algum momento, passou, passa ou vai passar por essas cenas, não necessariamente em um relacionamento homem-mulher (ou homo, uarever).
Quando eu falo dos seus olhos, isso não me faz descortinar tudo que você é, foi e será. Eu diria quem me dera; mas, no fundo, acho que há vantagens em nunca se saber a totalidade, talvez nem possível seja.
Quando falo dos seus olhos, de vírgula, gravados em mim em algum lugar perto da Esplanada, queria que entendesse que falo de sentimentos que estão além de mim e de você, mesmo que estejam em todos os textos que escrevo, todos os dias, para você. Mesmo que ganhem materialidade nos meus textos nos seus olhos.
Como seres humanos, esses sentimentos nos atravessam, independente de os capturamos como Pokemóns. (E quem faz isso é você, não eu.) Independente de os tomarmos como próprios. Faz parte do meu trabalho, ofício, ganha pão freelance, o que for, colocar características e sentimentos em mim que nem mesmo são meus.
E se falo de mim e me escrevo, ainda que travestida do que não sou, você é consequência.
Queria que você entendesse que não estou dizendo que eu sou assim, também. Eu posso gostar ou não de bagunça. Eu posso me irritar ou não. Eu posso reparar ou não. Se eu poetizo, romantizo, não entenda como algo pessoal ou muito menos já definido e decretado.
Quando escrevo coisas desse tipo, sobre personalidades e convivência, presto um duplo serviço. Escritores precisam criar imagens, escritores precisam gerar identificação. E todo mundo, em algum momento, passou, passa ou vai passar por essas cenas, não necessariamente em um relacionamento homem-mulher (ou homo, uarever).
Quando eu falo dos seus olhos, isso não me faz descortinar tudo que você é, foi e será. Eu diria quem me dera; mas, no fundo, acho que há vantagens em nunca se saber a totalidade, talvez nem possível seja.
Quando falo dos seus olhos, de vírgula, gravados em mim em algum lugar perto da Esplanada, queria que entendesse que falo de sentimentos que estão além de mim e de você, mesmo que estejam em todos os textos que escrevo, todos os dias, para você. Mesmo que ganhem materialidade nos meus textos nos seus olhos.
Como seres humanos, esses sentimentos nos atravessam, independente de os capturamos como Pokemóns. (E quem faz isso é você, não eu.) Independente de os tomarmos como próprios. Faz parte do meu trabalho, ofício, ganha pão freelance, o que for, colocar características e sentimentos em mim que nem mesmo são meus.
E se falo de mim e me escrevo, ainda que travestida do que não sou, você é consequência.
A inquisição da contemplação
Todos nós, aqui sentados no calçadão da praia de Copacabana à noite, buscamos respostas.
Alguns se iludem com o olhar da contemplação; outros, com o chope regado a samba ao vivo. Ilusões momentâneas, que logo se dissipam e deixam na boca somente o incompleto, vazado, vadio.
O que todos fazemos aqui, conscientes disto ou não, é o mesmo: buscamos respostas. Da olhada na bunda das novas garotas não só de Ipanema mas de qualquer canto da Zona Sul, passando pelos casais fazendo fotos entre saliva e areia até os pretensos poetas existencialistas, como eu, todos buscamos respostas.
Chega de saudade que agora toca só corrobora o que falo, o gosto da esperança da volta rasga sorrisos e convicções e, para mim, o peito. Eu sempre achei que era impossível ser infeliz no verão do Rio de Janeiro. Enchendo os pulmões com o ar da noite da beira da praia de Copacabana, pra ser específica, o que faço agora.
E aqui, vendo os rostos que contemplam à minha volta e também olhando dentro de mim, percebendo o quanto essa cidade nunca mais vai ser minha de novo, por mais que eu a enlace novamente e novamente e novamente, só constato que viver é um compêndio de nunca termos razão. De descobrirmos, dia após dia, a nossa constante falta de razão.
Será que João Gilberto descobriu que ela não volta?
Alguns se iludem com o olhar da contemplação; outros, com o chope regado a samba ao vivo. Ilusões momentâneas, que logo se dissipam e deixam na boca somente o incompleto, vazado, vadio.
O que todos fazemos aqui, conscientes disto ou não, é o mesmo: buscamos respostas. Da olhada na bunda das novas garotas não só de Ipanema mas de qualquer canto da Zona Sul, passando pelos casais fazendo fotos entre saliva e areia até os pretensos poetas existencialistas, como eu, todos buscamos respostas.
Chega de saudade que agora toca só corrobora o que falo, o gosto da esperança da volta rasga sorrisos e convicções e, para mim, o peito. Eu sempre achei que era impossível ser infeliz no verão do Rio de Janeiro. Enchendo os pulmões com o ar da noite da beira da praia de Copacabana, pra ser específica, o que faço agora.
E aqui, vendo os rostos que contemplam à minha volta e também olhando dentro de mim, percebendo o quanto essa cidade nunca mais vai ser minha de novo, por mais que eu a enlace novamente e novamente e novamente, só constato que viver é um compêndio de nunca termos razão. De descobrirmos, dia após dia, a nossa constante falta de razão.
Será que João Gilberto descobriu que ela não volta?
19.3.18
Nunca foi física
- O cara te acordou pra terminar contigo?
- É, ele teve um sonho em que eu traía ele, sei lá. Eu fiquei puta.
- Não era pra menos.
- Não, você não sabe. Eu fiquei puta porque eu tinha acabado de assinar um contrato de aluguel de trinta meses e eu não queria ficar lá. Se eu quisesse, não teria me mudado meses antes. E ele sabia muito bem que eu só me meti na empreitada de voltar praquela cidade maldita, que eu sempre detestei, por causa dele.
Ela ficou aérea por uns instantes, fazia círculos com a fumaça do cigarro. Eu que tinha ensinado. A mistura da cena atual com as lembranças me socou o estômago.
- Mirna?
- Fala.
- Só por curiosidade... De onde ele era?
- São Gonçalo.
Não quis debochar, mas a gargalhada saiu involuntária. Conheço todas as implicâncias que envolvem São Gonçalo. Mais ainda pra alguém como Mirna, niteroiense.
- Porra, Mirna. Mas São Gonçalo não é namoro a distância. Naquela época você morava em Niterói, que eu sei muito bem.
- A distância nunca foi física. É só por isso que, dessa vez, eu tô indo embora de verdade.
Ela me encarou seca. Eu sabia que embora ela me contasse uma história antiga, era de nós dois que ela falava. Não importava sobre o que ou como ela falasse. Era sempre de nós dois que ela falava. E todo o fundo de humor da história absurda queimava as nossas entrelinhas, era um palhaço de filme trash de terror.
"A distância nunca foi física. É só por isso que, dessa vez, eu tô indo embora de verdade", eu a ouvia em uma ladainha que nem tão cedo cessaria de se repetir nos meus pensamentos.
Ela apagou o cigarro na calçada, antes de se levantar. Piscou pra mim e pela primeira vez aquela piscada era um corte. Pela primeira vez, cada linha era um corte. Eu sentia, ou sabia, nunca dá pra saber qual é o melhor verbo nessas situações.
Fiquei vendo ela se afastar com todo seu rebolado esplendoroso. O que antes eram puro tesão e madrugadas de dopamina deixou somente a dor da consonância.
Mirna tinha razão. A distância nunca foi física. E o gosto da culpa ia demorar a se dissolver no meu palato ainda por muito tempo. Mas eu simplesmente não podia.
- É, ele teve um sonho em que eu traía ele, sei lá. Eu fiquei puta.
- Não era pra menos.
- Não, você não sabe. Eu fiquei puta porque eu tinha acabado de assinar um contrato de aluguel de trinta meses e eu não queria ficar lá. Se eu quisesse, não teria me mudado meses antes. E ele sabia muito bem que eu só me meti na empreitada de voltar praquela cidade maldita, que eu sempre detestei, por causa dele.
Ela ficou aérea por uns instantes, fazia círculos com a fumaça do cigarro. Eu que tinha ensinado. A mistura da cena atual com as lembranças me socou o estômago.
- Mirna?
- Fala.
- Só por curiosidade... De onde ele era?
- São Gonçalo.
Não quis debochar, mas a gargalhada saiu involuntária. Conheço todas as implicâncias que envolvem São Gonçalo. Mais ainda pra alguém como Mirna, niteroiense.
- Porra, Mirna. Mas São Gonçalo não é namoro a distância. Naquela época você morava em Niterói, que eu sei muito bem.
- A distância nunca foi física. É só por isso que, dessa vez, eu tô indo embora de verdade.
Ela me encarou seca. Eu sabia que embora ela me contasse uma história antiga, era de nós dois que ela falava. Não importava sobre o que ou como ela falasse. Era sempre de nós dois que ela falava. E todo o fundo de humor da história absurda queimava as nossas entrelinhas, era um palhaço de filme trash de terror.
"A distância nunca foi física. É só por isso que, dessa vez, eu tô indo embora de verdade", eu a ouvia em uma ladainha que nem tão cedo cessaria de se repetir nos meus pensamentos.
Ela apagou o cigarro na calçada, antes de se levantar. Piscou pra mim e pela primeira vez aquela piscada era um corte. Pela primeira vez, cada linha era um corte. Eu sentia, ou sabia, nunca dá pra saber qual é o melhor verbo nessas situações.
Fiquei vendo ela se afastar com todo seu rebolado esplendoroso. O que antes eram puro tesão e madrugadas de dopamina deixou somente a dor da consonância.
Mirna tinha razão. A distância nunca foi física. E o gosto da culpa ia demorar a se dissolver no meu palato ainda por muito tempo. Mas eu simplesmente não podia.
4.3.18
Canhestro
A sinistra molda o anjo caído anunciado
Com pagode tocado em harpas distorcidas
E ergue o brinde com nosso Graal compartilhado
De universos marginais e coxas avenidas
A superfície de sílabas encurtadas é arremate
Do esboço em que se refugia a complexidade
E o lado oposto, que precisa aptidão e arte,
É o mesmo que, esquerdo, te torna disparidade
No polo contrário, gargalha a destreza
Em incansáveis engrenagens de criação e garbo
Riscando um sombreado um tanto calhorda
Porque os pretensos deuses da direiteza
Não sabem que a verdadeira oficina do Diabo
É a mente que, abarrotada, ferve e transborda
Com pagode tocado em harpas distorcidas
E ergue o brinde com nosso Graal compartilhado
De universos marginais e coxas avenidas
A superfície de sílabas encurtadas é arremate
Do esboço em que se refugia a complexidade
E o lado oposto, que precisa aptidão e arte,
É o mesmo que, esquerdo, te torna disparidade
No polo contrário, gargalha a destreza
Em incansáveis engrenagens de criação e garbo
Riscando um sombreado um tanto calhorda
Porque os pretensos deuses da direiteza
Não sabem que a verdadeira oficina do Diabo
É a mente que, abarrotada, ferve e transborda
28.2.18
Ainda vai doer, mas vai passar
Não vou mentir pra você, falar que se você sair com seus amigos, ficar com outras pessoas ou assistir à sua série preferida você vai esquecer.
Não vou mentir pra você que se você ouvir uma mínima referência que seja não vai doer, ou que isso passa logo. Não é assim que funciona.
Não vou mentir pra você que vai ficar tudo bem quando você trombar com ele mexendo no celular na mesma lanchonete que vocês iam, quando tocar aquela música que nem deu tempo de você mandar pra ele ou você sentir sem aviso a lembrança do toque da mão dele.
Vai doer tanto que você só vai perceber que chorou quando a lágrima já tiver corrido sem nem dar aviso. E isso ainda vai acontecer muito e por muito tempo.
Mas passa.
É, é isso. Não importa o quanto queime agora, o quanto dê um nó forte dentro de você, parecendo que seus órgãos trocaram até de lugar. Vai passar.
Não vou mentir pra você que se você ouvir uma mínima referência que seja não vai doer, ou que isso passa logo. Não é assim que funciona.
Não vou mentir pra você que vai ficar tudo bem quando você trombar com ele mexendo no celular na mesma lanchonete que vocês iam, quando tocar aquela música que nem deu tempo de você mandar pra ele ou você sentir sem aviso a lembrança do toque da mão dele.
Vai doer tanto que você só vai perceber que chorou quando a lágrima já tiver corrido sem nem dar aviso. E isso ainda vai acontecer muito e por muito tempo.
Mas passa.
É, é isso. Não importa o quanto queime agora, o quanto dê um nó forte dentro de você, parecendo que seus órgãos trocaram até de lugar. Vai passar.
26.2.18
O carma da solidão
Uma vez me disseram que há pessoas que nasceram pra ser sozinhas e fui automaticamente obrigada a concordar. O que me levou a balançar a cabeça em aceitação de imediato foi o rápido panorama mental que me veio da minha vida.
Alguns chamam de vocação para a solidão; outros, de escolha. Eu chamo de carma. Somos seres sociais e, ainda que a ode ao individualismo cara aos nossos tempos o faça bater no peito se orgulhando de dizer por aí que se basta e toda essa baboseira de amor-próprio – que de amor-próprio não tem nada -, olhe à sua volta: em inúmeros sentidos, nós precisamos do outro.
Mas precisar do outro, em termos simbólicos, não é necessariamente de qualquer outro, e aí vem o limbo que permite falaciosas autoafirmações, filosofias de pós-graduações e textões formadores de opinião do Facebook.
Não é opção preferir ser sozinho se a vida não te faz cruzar com que te compreende. Não é opção preferir ser sozinho quando todo mundo já te traiu. Não é opção preferir ser sozinho quando somente assim você encontra segurança e paz. É carma.
Alguns chamam de vocação para a solidão; outros, de escolha. Eu chamo de carma. Somos seres sociais e, ainda que a ode ao individualismo cara aos nossos tempos o faça bater no peito se orgulhando de dizer por aí que se basta e toda essa baboseira de amor-próprio – que de amor-próprio não tem nada -, olhe à sua volta: em inúmeros sentidos, nós precisamos do outro.
Mas precisar do outro, em termos simbólicos, não é necessariamente de qualquer outro, e aí vem o limbo que permite falaciosas autoafirmações, filosofias de pós-graduações e textões formadores de opinião do Facebook.
Não é opção preferir ser sozinho se a vida não te faz cruzar com que te compreende. Não é opção preferir ser sozinho quando todo mundo já te traiu. Não é opção preferir ser sozinho quando somente assim você encontra segurança e paz. É carma.
A imperfeição de se conhecer
Certas conversas parecem preparar armadilhas para que voltemos a nos prender em reflexões pouco exploradas. O único resquício de realidade na nova pintura do vizinho aprisionou meu olhar numa arapuca novinha. Em meio ao cinza monocromático das paredes externas, enxerguei um longo rastro de tinta, deixado por um pingo que deliberadamente escorregou do teto ao chão. Formou a estria que atribui unicidade a um todo absolutamente sem graça, a estria que marca a imperfeição do trabalho e o aspecto cada vez mais satisfatório e real daquela transformação.
A gota mostra o histórico da sua tragetória, deixa-o escancarado para todos que o quiserem ver. Está lá, do alto ao baixo, do início ao fim. Como num daqueles cubos que desenhamos no papel, é difícil escolher a perspectiva que mais nos agrada. O pingo ou o rastro? O rastro ou o pingo? Talvez uma mistura dos dois, um gif artificalmente criado pelas mentes mais imaginativas. No fundo, não importa se será grande ou pequena, simples ou espalhafatosa, a imperfeição é o que delimita um fundo de verdade nas criações que supostamente deveriam ser perfeitas.
A gota mostra o histórico da sua tragetória, deixa-o escancarado para todos que o quiserem ver. Está lá, do alto ao baixo, do início ao fim. Como num daqueles cubos que desenhamos no papel, é difícil escolher a perspectiva que mais nos agrada. O pingo ou o rastro? O rastro ou o pingo? Talvez uma mistura dos dois, um gif artificalmente criado pelas mentes mais imaginativas. No fundo, não importa se será grande ou pequena, simples ou espalhafatosa, a imperfeição é o que delimita um fundo de verdade nas criações que supostamente deveriam ser perfeitas.
21.2.18
Ela era puta
Ela era puta. Na acepção real do termo, redução de prostituta, aquela profissão mais antiga do mundo. Era famosa por ter infartado dois só com um lap dance na boate em que fazia strip.
Entre máscaras, nomes falsos e renda enfiada no cu, era ela a que povoava as indômitas punhetas pela cidade. Era ela a dos delírios de "e se" das mulheres e de "eu pago, eu tenho" dos homens. Era ela jogando tequila pelo corpo nas boates do subúrbio e prosecco naquelas mais abastadas. Era ela a rainha das ereções e dores no saco, era ela atiçando, era ela a que detinha esse tipo de poder [falso] que as pessoas gostam de achar que o sexo tem. Esse medo pueril de que elas podem ser dominadas pelo sexo, controladas, atadas, por esse tipo de buceta mágica.
Valeska que me perdoe, mas sua pussy não é o poder.
Ela era puta. Ela era famosa por ter infartado até um fotógrafo que, desavisado, só fazia fotos do salão do bar quando se deparou com ela. Nem um show era, não precisava. Estava de óculos e bebia Nescau enquanto lia suas xerox da graduação. Mas ela emanava aquele lado B do sexo cósmico até cagando.
Two girls and one cup que me perdoem, mas até pra escatologia é preciso ter certa dose de classe.
Ela era puta. Mas seu coração era triste. Nas madrugadas, olhando da janela o vazio da cidade, riscava decassílabos em um caderno que ela havia customizado. Fotos e desenhos que fazia de amores passados, mas que tanto ainda a atormentavam. Versos necessários, premeditados, engasgados. Guardados. Ninguém entendia.
Saber usar o mais-que-perfeito não deixa ninguém de pau duro. E ela era puta.
Entre máscaras, nomes falsos e renda enfiada no cu, era ela a que povoava as indômitas punhetas pela cidade. Era ela a dos delírios de "e se" das mulheres e de "eu pago, eu tenho" dos homens. Era ela jogando tequila pelo corpo nas boates do subúrbio e prosecco naquelas mais abastadas. Era ela a rainha das ereções e dores no saco, era ela atiçando, era ela a que detinha esse tipo de poder [falso] que as pessoas gostam de achar que o sexo tem. Esse medo pueril de que elas podem ser dominadas pelo sexo, controladas, atadas, por esse tipo de buceta mágica.
Valeska que me perdoe, mas sua pussy não é o poder.
Ela era puta. Ela era famosa por ter infartado até um fotógrafo que, desavisado, só fazia fotos do salão do bar quando se deparou com ela. Nem um show era, não precisava. Estava de óculos e bebia Nescau enquanto lia suas xerox da graduação. Mas ela emanava aquele lado B do sexo cósmico até cagando.
Two girls and one cup que me perdoem, mas até pra escatologia é preciso ter certa dose de classe.
Ela era puta. Mas seu coração era triste. Nas madrugadas, olhando da janela o vazio da cidade, riscava decassílabos em um caderno que ela havia customizado. Fotos e desenhos que fazia de amores passados, mas que tanto ainda a atormentavam. Versos necessários, premeditados, engasgados. Guardados. Ninguém entendia.
Saber usar o mais-que-perfeito não deixa ninguém de pau duro. E ela era puta.
20.2.18
Matheus
Quando você me disse seu nome, não achei que combinava tanto contigo. Era muito comum. Acham-se Matheus em qualquer esquina. E ali, desde a forma como nos apresentamos, comum foi tudo o que não fomos.
Não falo por causa da sua camisa, seu cabelo ou suas piadas metidas a únicas. Tudo isso ainda é mais do mesmo. A diferença hoje em dia, nos nossos tempos de memes e redes sociais, é banal. Todo mundo é diferentão.
Você não foi comum porque você me tirou daquele estado de naturalização que faz com que a gente olhe tudo com o olhar do tédio do cotidiano, que nada se destaca. Você me sacudiu, você estremeceu quem eu era. Você me fez reparar em você.
E tudo o que era tão comum em você, como seu nome, são esquinas que só serviram pra me estapear com a realidade da vida: comuns somos todos, o que faz a diferença é a forma como nos relacionamos, como acontecemos na vida uns dos outros, como nos olhamos, as brechas ou portas escancaradas que (não) deixamos, como nos fazemos ficar, como ficamos por acidente.
Esse desnível é foda.
Não falo por causa da sua camisa, seu cabelo ou suas piadas metidas a únicas. Tudo isso ainda é mais do mesmo. A diferença hoje em dia, nos nossos tempos de memes e redes sociais, é banal. Todo mundo é diferentão.
Você não foi comum porque você me tirou daquele estado de naturalização que faz com que a gente olhe tudo com o olhar do tédio do cotidiano, que nada se destaca. Você me sacudiu, você estremeceu quem eu era. Você me fez reparar em você.
E tudo o que era tão comum em você, como seu nome, são esquinas que só serviram pra me estapear com a realidade da vida: comuns somos todos, o que faz a diferença é a forma como nos relacionamos, como acontecemos na vida uns dos outros, como nos olhamos, as brechas ou portas escancaradas que (não) deixamos, como nos fazemos ficar, como ficamos por acidente.
Esse desnível é foda.
19.2.18
Quem vai colocar a mão na lareira?
Eu queria que as coisas fossem diferentes, mas eu não queria que você fosse diferente. Eu não quero mudar você. Eu quero descobrir; mas mudar, não. E se essa é a condição para que as coisas sejam diferentes, que assim permaneçam, então.
Um dia eu vou respirar de novo. A gente se acostuma com esse ar rarefeito mais rápido do que imagina.
Eu gostei de você assim, da forma como me foi apresentado. Escuro, pesado, arrastado, nebuloso, caótico, instável. Muitos e nadas em constante guerra. Excessos descontrolados e ausências que parecem infinitas. Uma tentativa de respirar e ser manso e superficial contornando bem por fora isso tudo. Muros… de vidro. Alegoria da incompreensão alheia.
Escritores desviam na regência verbal, sertanejos compõem rock, modelos têm celulite, nossos pais sentem medo, palhaços choram. Isso tudo é constitutivo, está bem longe de ser um choque de opostos. Mas as culpas não nos pertencem, nem deviam.
Sabe qual é a maior ingratidão nessa história toda pra mim?
Um dia eu vou respirar de novo. A gente se acostuma com esse ar rarefeito mais rápido do que imagina.
Eu gostei de você assim, da forma como me foi apresentado. Escuro, pesado, arrastado, nebuloso, caótico, instável. Muitos e nadas em constante guerra. Excessos descontrolados e ausências que parecem infinitas. Uma tentativa de respirar e ser manso e superficial contornando bem por fora isso tudo. Muros… de vidro. Alegoria da incompreensão alheia.
Escritores desviam na regência verbal, sertanejos compõem rock, modelos têm celulite, nossos pais sentem medo, palhaços choram. Isso tudo é constitutivo, está bem longe de ser um choque de opostos. Mas as culpas não nos pertencem, nem deviam.
Sabe qual é a maior ingratidão nessa história toda pra mim?
7.2.18
Você nunca seria o amor da minha vida
Quando vi você pela primeira vez, sentado no banco dessa praça, lendo um livro, com seus fones no ouvido, acho que de alguma forma eu já sabia.
Você era só um completo desconhecido com um rabo de cavalo desgrenhado cercado pelo canto dos passarinhos, e eu precisava atravessar a rua e ir para a minha aula de flauta.
Mas, de noite, o destino me surpreendeu colocando você naquela mesma festa que eu. Minha amiga implicava dizendo que você se parecia com algum conhecido nosso, e eu quis me exibir pra você, dizendo que também tocava, igual a você.
Você me fez uma pergunta elaborada sobre escalas, que, não sei como, envergonhada que eu estava com o desenho tão perfeito da sua boca, consegui responder.
Depois vieram várias coisas. Sua mão sem aviso nos meus cabelos me deixando sem graça. Cruzar o olhar com o seu sem querer durante a aula de dança que começamos a fazer juntos. Minha bochecha esquentando quando você pegou minha mão na saída do metrô. E eu prendi os lábios, em todas as vezes, pra você não perceber meu sorriso bobo. O mesmo que sai involuntário quando estou penteando seus cabelos negros.
Você era só um completo desconhecido com um rabo de cavalo desgrenhado cercado pelo canto dos passarinhos, e eu precisava atravessar a rua e ir para a minha aula de flauta.
Mas, de noite, o destino me surpreendeu colocando você naquela mesma festa que eu. Minha amiga implicava dizendo que você se parecia com algum conhecido nosso, e eu quis me exibir pra você, dizendo que também tocava, igual a você.
Você me fez uma pergunta elaborada sobre escalas, que, não sei como, envergonhada que eu estava com o desenho tão perfeito da sua boca, consegui responder.
Depois vieram várias coisas. Sua mão sem aviso nos meus cabelos me deixando sem graça. Cruzar o olhar com o seu sem querer durante a aula de dança que começamos a fazer juntos. Minha bochecha esquentando quando você pegou minha mão na saída do metrô. E eu prendi os lábios, em todas as vezes, pra você não perceber meu sorriso bobo. O mesmo que sai involuntário quando estou penteando seus cabelos negros.
6.2.18
Não toma um banho de chuva
Uma vez li uma frase no Facebook de uma amiga que levei pra vida: "Seu corpo é composto por 70% de água, então aproveita que tá toda molhadinha e vai ter tesão na vida."
As coisas são cíclicas e o tempo é o senhor das verdades, mas se você se deixa se levar por essa correnteza dos conformismos, os momentos passam... e se perdem.
Daqui a um ano, nesse mesmo dia e nesse mesmo horário, tudo vai estar completamente diferente, ainda que não pareça. Seu emprego pode ser o mesmo, sua casa, seu namorado, seus amigos e corte de cabelo. Ainda assim, tudo terá mudado. A tonalidade daquela tatuagem, a pintura da fachada do seu bar preferido, um arranhado nos óculos, aquela música que você não tinha escutado.
5.2.18
Ritornelo
Seus olhos de pentatônica facilmente me improvisam
E, como síncope, acordam do meu corpo tempos improváveis
Desnudam de mim os intervalos e os impropérios
De urgentes desejos e necessidades improrrogáveis
E marcam compassos, que, não fossem seus, seriam impróprios
A consonância que verte em arrepio minhas pernas
Torna axilas e cotovelos hereges sustenidos
De gemidos tocados em antigos pianos de tavernas
Em escala cromática que de imprecisas comas me governa
Pelo maestro que de precisos movimentos me rege
E, como síncope, acordam do meu corpo tempos improváveis
Desnudam de mim os intervalos e os impropérios
De urgentes desejos e necessidades improrrogáveis
E marcam compassos, que, não fossem seus, seriam impróprios
A consonância que verte em arrepio minhas pernas
Torna axilas e cotovelos hereges sustenidos
De gemidos tocados em antigos pianos de tavernas
Em escala cromática que de imprecisas comas me governa
Pelo maestro que de precisos movimentos me rege
4.2.18
Não vale uma Libra
Quem me conhece sabe o quanto signos são um assunto que me interessa. Quem me conhece mais, sabe o quanto acho isso tudo uma besteira.
Acho meio difícil enquadrar todas as pessoas em doze categorias tão estanques. Ou 144, considerando o ascendente. Ou (faz a conta pra mim e coloca o número aqui), se considerarmos sol, chuva, casamento de viúva.
Comecei a pesquisar signos quando fazia teatro. Ajudava a criar personagens, eu escolhia um signo que combinava com cada um e ia direcionando as características pra detalhar os perfis e a partir daí construir trejeitos, hábitos, reações etc. Mas, embora as coisas que aconteçam comigo pareçam ficção, a vida não me fez personagem. Mesmo assim, a vida me deu um signo: Libra.
Libra. Daqui, da tão tão distante Zona Oeste, posso ver o sorrisinho maldoso no rosto de vocês e a careta de repulsa no rosto de alguns (ok, de muitos). Libriano é foda! Inconstante, volúvel, superficial, indeciso, mulherengo, dissimulado, sem graça, fala muito, fora da realidade, se acha, não leva ninguém a sério e, interminável, a lista segue.
Acho meio difícil enquadrar todas as pessoas em doze categorias tão estanques. Ou 144, considerando o ascendente. Ou (faz a conta pra mim e coloca o número aqui), se considerarmos sol, chuva, casamento de viúva.
Comecei a pesquisar signos quando fazia teatro. Ajudava a criar personagens, eu escolhia um signo que combinava com cada um e ia direcionando as características pra detalhar os perfis e a partir daí construir trejeitos, hábitos, reações etc. Mas, embora as coisas que aconteçam comigo pareçam ficção, a vida não me fez personagem. Mesmo assim, a vida me deu um signo: Libra.
Libra. Daqui, da tão tão distante Zona Oeste, posso ver o sorrisinho maldoso no rosto de vocês e a careta de repulsa no rosto de alguns (ok, de muitos). Libriano é foda! Inconstante, volúvel, superficial, indeciso, mulherengo, dissimulado, sem graça, fala muito, fora da realidade, se acha, não leva ninguém a sério e, interminável, a lista segue.
3.2.18
175
Estava na barca, indo pra Niterói. Depois dessa, todas as histórias de terror são cantilenas de ninar. Pelo menos tinha tomada e eu podia ir dando match nos contatinhos pra garantir a noite do outro lado da baía. Sentei pra comer o pastelzinho de carne-seca já roxa frito em banha de três dias - #pás - quando reparei o DEUS GREGO do meu lado. Que homem! Cabeça raspada só de topete, regata colorida decotada até o umbigo, piercing no nariz... Uma tatuagem na careca "171".
Eu ri, claro, mas adorei o desprendimento. Não ia abordar o cara ali, né? Olho pro celular e quem me aparece no Tinder? O próprio! Notei que ele deu maior olhadão pra tela na hora, fiquei tão sem graça que o celular caiu no chão. Bem clichezão, ele pegou pra mim, com um sorrisinho de maldade. Começamos a conversar e daí em diante é história. Combinamos de sair pra beber dali a dois dias, quando ele podia.
Eu não vim nesse mundo a passeio, né, gente? No dia seguinte, continuei no Tinder dando ideia pra inúmeros contatinhos das mais variadas tribos. Tava gamadinha em um bem nerd, usava nome e sobrenome no endereço do Instagram e já fui logo revirando (pena que não ele...) Face, lattes que eu tô passando e por aí vai. O stalk foi tão profundo que achei o fotolog do cidadão! Tinha uma foto dele de cabeça raspada, época do exército pelo que parecia. Assim de cabeça raspada ele lembrava pra cacete o cara da barca.
Não, claro que não era o mesmo. Sou ruim de memória fotográfica, mas era outro. Mesmo tendo um 172 tatuado na cabeça. Parei naquela foto. Que porra de moda escrota é essa, gente? Olha que já usei tererê e crocs, mas ficar tatuando número assim na careca é seita? Tipo a seita que dói menos... Ou não, falam que tatuagem na cabeça dói.
Eu ri, claro, mas adorei o desprendimento. Não ia abordar o cara ali, né? Olho pro celular e quem me aparece no Tinder? O próprio! Notei que ele deu maior olhadão pra tela na hora, fiquei tão sem graça que o celular caiu no chão. Bem clichezão, ele pegou pra mim, com um sorrisinho de maldade. Começamos a conversar e daí em diante é história. Combinamos de sair pra beber dali a dois dias, quando ele podia.
Eu não vim nesse mundo a passeio, né, gente? No dia seguinte, continuei no Tinder dando ideia pra inúmeros contatinhos das mais variadas tribos. Tava gamadinha em um bem nerd, usava nome e sobrenome no endereço do Instagram e já fui logo revirando (pena que não ele...) Face, lattes que eu tô passando e por aí vai. O stalk foi tão profundo que achei o fotolog do cidadão! Tinha uma foto dele de cabeça raspada, época do exército pelo que parecia. Assim de cabeça raspada ele lembrava pra cacete o cara da barca.
Não, claro que não era o mesmo. Sou ruim de memória fotográfica, mas era outro. Mesmo tendo um 172 tatuado na cabeça. Parei naquela foto. Que porra de moda escrota é essa, gente? Olha que já usei tererê e crocs, mas ficar tatuando número assim na careca é seita? Tipo a seita que dói menos... Ou não, falam que tatuagem na cabeça dói.
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