6.1.18

Aquele que eu nunca escrevi

Nós dois somos pessoas de ação. Damos corda pra viver, como você diz. No entanto, não agimos. Você calou, eu supus. Você me forjou em outras mulheres, eu te guardei em estatística.

Você fez planos dos quais fugi. Eu fiz planos dos quais você nunca soube. Muros e paredes com nossos pseudônimos pela cidade e na nossa sala. Você teve inexplicáveis convicções, eu duvidei das minhas.

Você questiona minhas incertezas, dizendo que tudo que escreve sou eu, e que isso deveria bastar. Eu me leio, me encontro, me reinvento nas suas linhas, mas não mergulho por não mensurar ao certo a profundidade da água turva que vejo.

Você me acusa de não te escrever, mas não percebe o quanto tudo sempre, de algum jeito, perpassa você.

Eu não te escrevo diretamente, você tem razão. Mas em cada um deles, é sempre alguma sombra perdida ou encontrada de você o que move minha caneta.

As madrugadas insones, os quilômetros, o soco no coração, a mão pesada, o cenário urbano, a familiaridade no toque, o dia da semana, a boemia, a música, a escrita, a identidade. E a lista de você em todos eles indefinidamente segue.

É quando o Sol me domina que me rendo. É quando você perde para Marte que me deixa contra a parede. Vênus ainda faz a negociação. Você me vence, você sempre me vence. E, contudo, nós dois ainda somos empate.

São 3h46, e acabei de acordar de um rápido cochilo que foi também epifania.

Olho a chuva que despenca do céu mais bonito do país. Esse cheiro me transforma em toda a paz do universo. Em algum lugar, entre devaneios, garrafas, linhas do Bukowski ou reiteradas e indiferentes coxas, você está comigo.

Distantes, você gargalha e eu engulo. Você goza e eu danço. Você vomita e eu tropeço. Somos nós, somos sempre nós.

E se parássemos de como seria, condicionais, suposições e cobranças alheias, que, no fundo, são próprias?

E se parássemos de fazer o que tanto odiamos, fugir, supor, flanquear, claudicar e sublimar nós dois em palavras eruditas, textos mal inspirados e arremedos de esboços?

Você quer jogar tudo pro alto, você quer mesmo?

Vamos tirar nossa inspiração mútua do papel? Vamos dominar a porra toda?

Nós dois hoje, vamos?

Nenhum comentário:

Postar um comentário