Eu queria que as coisas fossem diferentes, mas eu não queria que você fosse diferente. Eu não quero mudar você. Eu quero descobrir; mas mudar, não. E se essa é a condição para que as coisas sejam diferentes, que assim permaneçam, então.
Um dia eu vou respirar de novo. A gente se acostuma com esse ar rarefeito mais rápido do que imagina.
Eu gostei de você assim, da forma como me foi apresentado. Escuro, pesado, arrastado, nebuloso, caótico, instável. Muitos e nadas em constante guerra. Excessos descontrolados e ausências que parecem infinitas. Uma tentativa de respirar e ser manso e superficial contornando bem por fora isso tudo. Muros… de vidro. Alegoria da incompreensão alheia.
Escritores desviam na regência verbal, sertanejos compõem rock, modelos têm celulite, nossos pais sentem medo, palhaços choram. Isso tudo é constitutivo, está bem longe de ser um choque de opostos. Mas as culpas não nos pertencem, nem deviam.
Sabe qual é a maior ingratidão nessa história toda pra mim?
Timing, sempre ele, e você não para de ter razão. Toda essa rede que nos amarra e puxa com força nos distanciando e jogando para cantos tão opostos, que há muito tempo já te perdi de vista. Mas eu, aqui, do lado oposto… sinto.
Há várias circunstâncias além desse “nós dois”, que sequer existe (e não é sem dor que te dou toda a razão), que pouco importa se conseguimos definir quais são, porque elas ficam naquele limbo em que tudo se presume e se torna verdade absoluta… e sedimenta impressões, opiniões, sentimentos, conformações.
Eu queria muito que todo o contexto fosse outro, porque não tenho como lutar com os meus demônios, os seus e tudo o que nos envolve sem sequer saber que tudo é esse. Mesmo que falar isso seja tão falso quanto a bandeira branca que estendo, porque palavras são sempre poeira e, no final das contas, acho que o que vale é aquela lembrança repentina de um cheiro que vem na madrugada, meio doído, meio sem aviso. E nos enche de certezas absolutas… momentâneas. Que achamos que conseguimos afastar no terceiro gole de Catuaba.
Não é um capricho meu. Não é uma roleta-russa de olhos vendados. Não são interesses (des)semelhantes ou citações “coincidentemente” iguais. (Mas confesso que usar “amiúde” em sonetos, ou escrevê-los, me amolece, sim. Mas é porque é em você, entende? Eu nunca fui dada a escritores eruditos.) Uma ilusão? Você pode estar certo. Porque ilusão é tudo o que temos da realidade o tempo todo, e ter plena consciência disso atormenta.
Eu falo das minhas convicções, da minha experiência, da minha visão, que, reconheço, é bem limitada. E turva, é claro. Mas, ainda assim, daqui eu tenho certeza. É sobre o que vivi e sou que falo, e esse território é completamente meu.
É claro que não desprezo esse mar revolto do desconhecido que nos separa, que dilacera esse maldito nós que insisto em apertar. Esse mar que sempre vai nos separar, eu sei. Porque não se faz conexão sem um pouco de dilaceramento bilateral.
E você nunca vai mergulhar. Você nunca vai se permitir ver que já mandei um cruzeiro até o outro lado. Talvez porque a simetria entre as formas que mostramos e fazemos as coisas e como elas são percebidas seja sempre uma cortante mentira.
Quem iria oferecer ombros para sustentar uma caminhada compartilhada… que só se pode fazer sozinho, não é mesmo? Quem se importaria com o que te faz chorar à noite? Quem iria querer segurar sua mão de um jeito diferente? Quem iria querer se tornar seu porto? Quem daria esse tiro no escuro, que pode ricochetear em qualquer direção, inclusive de volta com o triplo de força e velocidade? Quem se disporia a entrar nessa floresta de aranhas-marrons sem guia e antídoto?
Somente a insanidade parece um quadro justificado. Como vou discordar disso?
Mas, só dessa vez, pensa que as coisas podem ser diferentes. Eu posso ser diferente, também. Pode não ser insanidade, loteria, desespero, um gosto musical interessante. Como você vai saber? Você não vai saber nunca. A vida não nos deu nem vai dar manual. Nós nunca vamos saber.
Quem vai assinar o cheque no final? Quem vai colocar a mão na lareira?
Você quer saber a verdade? Há muito tempo, já assinei. A minha mão está lá. E, por mais que eu feche os olhos e disfarce isso em risadas falsas, textos aparentemente inspirados e sublimação em supostos outros amores, eu não vou conseguir tirar nem tão cedo.
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