25.8.18

Mordaz mistério das madrugadas

Mais um dia que eu olhava insistentemente minha caixa de spam, naquela esperança quase doentia de não ter visto. Acontece que ontem, mais uma vez, eu tinha escrito pra ele.

E pensar que das últimas vezes quem tinha insistido veementemente fora ele. Pessoalmente, indo a locais que eu não tinha lhe dito em que estava, descobrindo telefones, descobrindo quartos de hotéis, descobrindo minhas madrugadas. Me encontrando nas minhas perdidas madrugadas, aliás.

Eu não insistia com tanta frequência, tampouco com a mesma disposição para revirar o mundo e "catar" onde ele pudesse estar. Eu me assemelhava mais ao viciado eventual, que em dias de abstinência cruza limites entre o social e o necessário.

Hoje era um desses dias. Eu estava em um evento grande da cidade, que eu nem morava, estava ali a trabalho há alguns dias, sem previsão de quanto tempo permaneceria, como o padrão de todas as coisas na minha vida.

Um lapso entre uma música que me trouxe ele e a cerveja na minha mão me fez olhar os e-mails. Claro que ele não tinha respondido, não fez da última vez, meses atrás, por que faria agora? Meses antes, quando, de um quarto de hotel, escrevi "tô em outro estado e pensando em você". O estado já não era o mesmo de agora, em sentido algum. O pensamento nele? Esse permanecia incômodo, è vero.
Foi quando ouvi aquele inconfundível Valentina.

Ele não falou meu nome "real", por assim dizer. O que ele falou foi exatamente isso: Valentina. Sorri ainda olhando pro celular antes de levantar a cabeça. Pseudônimos significavam tudo para nós dois. Foi em pseudônimos que nos conhecemos. Foi quando me deu seu nome real que resolvi ceder ao que já dilacerava. Nomes, codinomes, pseudônimos. Sempre tão idênticos anônimos. Estáveis nômades...

Levantei o olhar devolvendo o tom, chamando ele pelo nome falso, o mesmo que me deu quando nos conhecemos.

- Estamos nós dois em outro estado dessa vez. - Ele também não morava aqui, mas não era desse estado que falava. Percebi quando me ergueu a mão esquerda.

A ausência daquele fatídico sinal secou minha garganta, mesmo estando agora em terras de clima úmido. Prendi os lábios questionando o bendito timing da vida. Ah, timing, sempre você, tão errado...

Tive múltiplos lapsos ao mesmo tempo. Quis perguntar do e-mail, quis perguntar se me procurou, quis comentar daquela puta coincidência do caralho de estarmos ali, nem eu nem ele gostando de nenhuma daquelas bandas esquisitas. De perguntar como, de perguntar quando, de perguntar se. Mas aquele lado de defesa veio a cavalo e somente ergui o copo pra ele, como se brindasse.

- Aproveita a festa - emendei seu nome real como vocativo dessa vez.

Ele veio todo dono me beijar. Estranho suas mãos ainda terem familiaridade. Estranho suas mãos não terem se afastado um segundo sequer mesmo naquele lapso do que já posso dizer anos. Estranho suas mãos serem continuação de tudo o que ainda pulsava, mesmo que eu tivesse ignorado o quanto por todos esses meses.

Estranho seria se não fosse estranho, sendo nós dois, ele me disse, como sempre, lendo meus pensamentos. Do bolso, puxou um ás de espadas.

- Eu sabia que ia te encontrar. Como? Não sei. Eu simplesmente sabia.

Ele não foi atrás de mim dessa vez, não tinha como. Ele realmente, daquele jeito inexplicável de sempre, sabia.


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Eu te falei que ia fazer. Independente de como, em que circunstância, o que somos vai permanecer, nos enchemos de certeza a cada esquina torta. Quem sabe, um dia a gente ajeita... "Makes me wonder" ;D

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