26.8.18

Odeio jazz

Aquele dia que nos esbarramos, em um show de bandas aleatórias no centro da cidade, éramos mais do mesmo: eu, apaixonada por uma figurinha megafamosona em um microcosmos; você, wannabe de rockstar com um cabelo muito melhor do que o meu.

Não foi ali, claro que não. Foram meses depois. Em um show, de novo, no mesmo lugar. Dessa vez era uma banda grande, alegoria perfeita do que dali a algumas semanas nos tornaríamos. Alegoria perfeita de tudo o que por muito tempo guardamos.

Você só queria tirar a cabeça dos seus muitos calos nos dedos. Eu só queria tirar a cabeça dos muitos corações boiando na minha constante ciranda de relacionamentos.

Seria só mais um dia de motel barato na Tijuca, gasolina Zona Norte-Zona Sul, coreografias e partituras atrasadas em prol de uma gozada gourmet.

Digo gourmet porque sempre é gourmet gozar com pessoas que você acha o ápice da beleza. Viva o superficial deleite estético vertido em arrepios, lubrificação e entumecimento. E até então era só isso mesmo pra nós dois, embalagens de covinhas e bundas oníricas demais de tão bonitas.


Ah, e cigarros. É claro, sempre tem os cigarros nessas fodas que fazem história. Cigarros que arrematavam o óbvio cenário perfeito de volta dissolvendo a fumaça no ar da Lagoa. Nós dois compartilhando histórias sobre espiritismo e críticas ferrenhas à poesia concreta.

O cheiro insuportável do seu cigarro forte ficou na minha roupa. Pegou na cama, sofá, cortina, até no armário.

E de repente me peguei fumando o seu cigarro. Aquele único cigarro que você tinha me dado em alguma das últimas vezes "pra pensar em você". E isso me fez ver como era em vão fingir ter ignorado seus insistentes desejos de reincidência.

Ou talvez o que tenha me dado o tapa na cara foi o fato de estar apoiada na janela da despensa, encarando o mato dos fundos do apartamento, sem me importar com a paisagem urbana disruptiva incidental, enquanto ouvia Marcus Miller.

Não era Marcus Miller, na verdade; era uma versão sua, que tinha me mandado uns dias antes, e eu, desinteressada em tudo, como sempre, tinha solenemente cagado e andado.

Eu tinha passado a ouvir jazz. E eu sempre odiei jazz. De repente ri comigo mesma percebendo que jazz tinha passado a integrar meus dias de forma natural, como se sempre estivesse ali. É óbvio que não era o jazz.

Mas até o jazz agora cheirava àqueles tropeços banhados por seu cigarro insuportável. O mesmo que agora se tornava carnaval em meus pulmões, mãos, roupas penduradas secando no varal do apartamento.

Eu ainda odeio jazz, é claro. Mas ainda assim nós dois fizemos excelentes improvisos de menor harmônica e pentatônicas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário