1.8.18

Péssimos Aires

Assim que decidi conhecer o Acre, fui alertada por inúmeros amigos de que um lugar inóspito me aguardava. Eu sou editora, e fui imbuída do meu profundo desejo de fazer uma edição em vários tomos dos textos do Menino do Acre, então nenhuma intempérie poderia me parar. Recebi toda sorte de alerta, a principal delas, que eu deveria ter certa cautela com as lendas que lá existiam, pois poderiam se tornar reais em um piscar de óleos se eu desse bobeira. E como boba é tudo que sou, todos estavam amiúde preocupados comigo.

Peguei o VOLP e o manual do ISBN e rumei destemida para o desconhecido. Se Deus é pornôs, quem será contra nós? Disse uma vez o célebre pastor Rocco Siegfried. Como sua boa seguidora, entoava o mantra.

Assim que cheguei, fui logo tratando de me misturar aos locais. Conheci Potencial, um belo espécime de 2,10m, com um hábito pouco convencional de comer vizinhas. Isso era literal, Potencial vinha de uma antiga tribo de canibais, outrora estudada por quase célebres antropólogos. Digo quase porque todos foram comidos antes de divulgar seus preciosos achados.

Potencial estava deveras preocupado nos últimos tempos com uma lenda nova que se alastrava pela região. Como eu era uma outsider, ele se dispôs a se abrir comigo sem me comer. Pena, era exacerbadamente gostosinho.

A tal lenda, apesar de ter se tornado forte comoção pública, ainda não tinha sido completamente desvendada, pois estava em outro idioma. Alguns estudiosos, clandestinamente, tinham se debruçado sobre sua tradução, sem obter sucesso algum.

Como conheço muitas línguas, desde que fui protagonista do gang-bang Porra de Babel (LEIRINHAS, Brasi), tranquilizei Potencial, dizendo que eu era a pessoa certa. Ele, por sua vez, garantiu que me auxiliaria com o meterial do Menino do Acre. A simbiose perfeita se formara, tal qual bacon com calabresa, e miojo e nuggets.

Tínhamos planos de descansar antes de rumar atrás da tal lenda, mas ela veio até nós. Soou em nossa porta, escancarou nossas janelas. Foi tão forte que destituiu móveis do lugar, levou embora nosso cachorrinho ao vento e nos deixou completamente nus. Em solidariedade, usávamos as mãos um do outro para cobrir nossas vergonhas, alternadamente. Eventualmente, isso se tornou um hábito jocoso, uma coisa meio Lagoa Azul, meio Último tango no Acre. Digo, em Paris.

Encaramos de peito aberto a monstruosidade. Apresentou-se para nós como Dinheiro Sóbria. Eu não entendia uma palavra de sua voz trêmula, mas, como vinha adornado de alfajores de ouro e trombetas de Gardel, soube que era argentino, o boludo.

Em dado momento, Potencial perdeu a paciência, desvelou um chega pra lá literal no hermano, vulgo voadora, ao que o hermano respondeu claramente a que viera. Potencial e eu nos entreolhamos assustados. A lenda era que dali a poucos dias receberíamos uma paga de honra ao mérito pelos serviços prestados à humanidade. Ele, por sua longa e bela jeba sempre rígida. Eu, por minha raba sempre disponível para um qualquer meter.

À 17ª badalada, Dinheiro Sóbria proferiu uma inesperada explicação, que tudo aquilo nos acometera devido a seu nascimento conturbado, após um caso de Evita e Maradona banhado a chuva de (pó) arroz. Aparentemente, o evento causara um desequilíbrio quântico, que o fazia viver em outro fuso horário, um em que humano nenhum estava ainda apto a experienciar. Após seu confuso solilóquio, desapareceu, deixando a Potencial e a mim a única opção de dar as mões e rumar sem destino pela noite escura. Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento.

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