Talvez Pascal só estivesse muito ocioso empilhando blocos quando propôs seu triângulo.
Talvez Da Vinci só fosse o precursor do Lego e outros jogos de encaixe ao pensar em quadrados e círculos para seu homem vitruviano.
E talvez Fibonacci, até ele, só estivesse entediado demais quando resolveu somar dois números e criar uma sequência seguindo esse padrão.
A proporção áurea (ou divina proporção), presente em todas as criaturas moldadas pelo barro de Deus, foi criada pelo homem, o mesmo que não só superou Deus, como tomou seu lugar.
Agora o segno di dio in noi (disegno, a gosto de Alberti) é produzido e tem autoria, muito bem projetado com perspectiva e norteado pelo homem, o parâmetro de todas as coisas. 1,61 é o número mágico, com que brincaram quase de mãos dadas, não fosse a impiedade do tempo, gerações, gêneros e estilos, de Michelangelo a Mondrian.
Endossaram na música a proporção áurea Satie e Debussy, por exemplo, e dessa nem a quinta, que, de perfeita, foi chamada de justa, escapou de passear ali pelo começo da sequência de Fibonacci, em seu 3:2.
Mas se de um lado há toda ordem arquetípica da simetria, a polissêmica monotonia do canto gregoriano, em paradoxal ironia, ao repudiar a polifonia, essa filha das trevas, mostra que todo mártir tem seu algoz. O caos é sua condição sine qua non, só pra gastar latim.
Não é só Deus que está no particular, como sabe Warburg, o Demônio também é preciso, e criou seu intervalo entre os obedientes filhos de Deus.
Travestindo o mal em introdução do Black Sabbath, vem a dissonância do trítono, que, de tão incômoda, gerou lendas sobre banimentos, execuções e pactos demoníacos feitos por músicos de jazz e blues - o blues, que tira o triste azul da dissonância, mas que também embala o certo caráter petite mort tão necessário a toda sensualidade.
Não sendo nem sacras nem diabólicas, dançam sétimas e nonas no limbo de dissonâncias autorizadas, que, de diplomáticas no jogo de saber agradar a Deus e ao Diabo, nunca levaram ninguém ao inferno sem escalas.
É que o que não é extremo parece mesmo meio bobo, meio sem representatividade, meio morno para os espíritos que igualmente de arte e pecado (e isso não é em certo nível redundância?) foram inflamados.
E atira a primeira pedra no templo da perspectiva quem nunca se incomodou com Ozzy comendo um morcego.
E, como a mão que afaga é a mesma que apedreja, o contra-ataque são os deleitosos que não percebem que a imaculada Garota de Ipanema também vem e passa pelo intervalo do diabo, num doce balanço a caminho do mar.
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