A primeira vez que reparei nas suas covinhas foi naquele meio sorriso que você deu por trás da taça que levava à boca.
A gente estava dividindo um Casillero del Diablo, molhando os pés em alguma parte cheia de mato do Paranoá que agora presumo ter sido o viveiro do Lago Norte, um pós-reveillon que até hoje não sabemos explicar como nos levou ali.
Nós dois tínhamos passado a virada em outras mãos, o que nunca fez a menor diferença. Quando a gente se sabe, se entende, se conecta, isso basta.
E a gente se conectou de verdade, pela primeira vez, ali. Naquelas risadas de ressaca ainda ébria, naquele monte de nadas típico de Brasília, naquelas covinhas de revelações e meia-luz.
Covinhas que já adornaram "sorriso sem graça e nariz grande", as mesmas que tanto se esconderam em mordidas na minha cintura, que brincaram nas minhas coxas.
Covinhas que hoje me sorriem de novo e me apontam as malas que larguei em algum canto que vamos ter que procurar depois na bagunça que fizemos nas últimas três horas de saudade.
Covinhas tão perto da xícara com seu café forte meio queimado me dando a porrada de dopamina de estar viva.
É assim que se começa um ano. Roupas, ordem, racionalizações bestas jogadas em algum canto, bagunça total de nós dois. Seus dentes. Seus pelos. Suas covinhas.
Eu reparo nelas agora. Anos, cidades e vidas que passaram por nós depois. Tanto tempo depois.
Elas me sorriem igual, é claro. E eu sempre sei o que elas querem dizer, estejam no sorriso de lado e de propostas ou naquele de confidencialidades pouco convencidas.
Eu também tenho uma covinha. Só uma, na bochecha esquerda. Você precisa reparar bem, ela é discreta. Mas não é por isso que sempre li as suas de forma tão clara.
É porque "tenho tua chave, teu chaveiro e o segredo do cofre. Tenho tudo isso mesmo sem querer. E só tenho por um único motivo: são os mesmos que os meus".
Foi você quem disse, não eu. Mas, afinal de contas, faz alguma diferença?
Feliz ano novo, eu te sussurro nesse nosso riso quase choro. Já se passaram alguns dias, é verdade. Mas melada no nosso suor, sentindo o cheiro dessa cidade, perdida de novo nas suas covinhas, pra gente o ano só começou agora.
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13 coisas sobre você
1. Voz
2. Olhos (ou clichês, o que dá no mesmo)
3. Frango caprese
4. Ímpeto
5. Cicatrizes
6. Lábia (e parênteses)
7. Marlboro Vermelho
8. Estradas
9. Covinhas
10. Bunda (e isso merecia ocupar todos os 13 tópicos)
11. Avenida Paulista (ou acasos, o que é exatamente a mesma coisa)
12. Cerveja
13. Suas linhas, é óbvio
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