Tinha que ser.
Apesar de todas as arestas [definitivamente, eu não me arrependo de nada].
Você querendo fugir do tédio de uma vida turbulenta te colocando no automático, eu por causa de uma comemoração de aniversário que acabou nem acontecendo.
"Posso te chicotear?", foi o que, em uma mistura de álcool e tédio, falei pra você. Natural se surpreender por eu saber o que era uma senoide. "Ué, eu fiz ensino médio", foi o que te falei.
E eu não queria te beijar de jeito nenhum, "vai ser ruim", mas você me amoleceu quando aconteceu, no ato, sua especialidade até hoje.
Voltamos pra casa juntos. Estávamos em outra cidade, mas morávamos na mesma rua (ou seria, se ela não mudasse de nome).
Eu voltei pra casa trocando áudio de música em italiano com o "crush" enquanto você falava dos erros do meu blog. "Eu sei todos (e fui elencando incomodada de alguém ter a audácia de me corrigir), foi preguiça de corrigir, sou revisora", atrapalhava de vez em quando a conversa.
Aquela foi a viagem de táxi mais épica da minha vida, até hoje rio lembrando daquele dia. Do motorista, dos trombadinhas na loja de conveniência do posto, "eu amo o Rio de Janeiro", nas suas respostas ao "questionário".
Eu já te amava, como você mesmo disse a respeito de mim. Só que eu só fui me dar conta depois.
Quarta-feira, a primeira vez na vida que estive em um ambiente fechado (e metrô ainda por cima) sem nem me dar conta (mesmo tendo toda a certeza de que eu nunca me apaixonaria por você - que inocente, né? Haha) e sem ter aquele pânico de morte típico dos claustrofóbicos, como eu.
E depois na barca, eu falei que nunca te procuraria e fui embora sem olhar pra trás (você ousou dizer que quase correu atrás de mim e me abraçou nesse dia!!!), mas te respondi no ato no outro dia; mesmo atribulada com mais de 300 páginas de revisão pra dar conta em um dia nos falamos o dia todo.
Era Maestra o livro (se passou erro, agora já sabem a quem culpar! A ele, claro, por me deixar fora da realidade o dia todo).
Quinta-feira, saí da aula de pole e de repente me veio você na cabeça, e eu pensei "que estranha essa súbita saudade dele". [Sabe de nada, inocente, eu me digo.]
Sexta-feira, você apareceu no meu trabalho e tornou o mundo um borrão, me dando essa sensação pela primeira vez na vida. "Sua cara de apaixonada foi ótima", você me disse meses depois. Eu senti que tinha esquentado, eu senti dormência. Sério, o mundo em volta se apagou. Eu achava que essas coisas eram faladas pra enfeitar filme e música, nunca pensei que realmente se sentissem.
E no café que eu comi o seu bolo inteiro (sempre faminta featuring mal-educada haha).
Sábado, também no trabalho, vi você passar do outro lado da rua, andando do jeito que eu adoro, segurando o punho esquerdo nas costas, mostrando a tatuagem, com um gingado leve que deixa suas costas ainda mais perfeitas, do alto de seus 1,87m. [Eu ainda amo seus 1,87m.]
E logo depois, quando eu estava encostada no balcão meio aérea e vi uma moça chegar com um buquê gigante de gérberas. "É pra você, Valentina", me disseram. É, eu sabia que era pra mim, eu sabia que você tinha mandado, dava pra ligar esses pontos de você ter passado ali, aquela hora, e a floricultura tradicional bem na esquina, mas fiquei sem reação uns segundos que pareceram horas pra concatenar aquilo.
"Quem é ele? Seu namorado?", "Ele é o Boto, é isso o que ele é", eu disse. E é isso mesmo que você é, não é?
E no cartão estava escrito "tô aqui pensando onde você vai guardar isso", tão a nossa cara e sem sentido, aparentemente. Ironicamente, meses depois, guardei aqui, na minha casa, coisa que na época eu não tinha.
E assinou com um A., equivalente ao nome falso que você tinha me dado. Pois é, você me deu um nome falso, abertamente falso! E como eu revirei o mundo pra descobrir quem você era! Em vão.
Eu não te respondia, absolutamente, eu dizia que era pra você sumir, que nunca mais olharia na sua cara, mas estava revirando o mundo, levantando lista em boate, inventando história de que meu cartão tinha sido clonado, pra te achar, em todos os estabelecimentos que fomos.
Mas você pagou tudo em dinheiro, bem profissional.
Mas você me amoleceu quando ouvi "can I hold you" nessa voz deliciosa, e nos encontramos.
Como resistiria a todo esse charme ariano de conquistador
"Meu nome é X. Me desculpa", foi a primeira coisa que você falou enquanto me beijava. Completamente apaixonados, naquela terça-feira. Que cravada do destino. Destino, é isso. A gente sabe. Só a gente sabe. Ou será que você deixou de saber? Eu duvido. ["Você me escreve", eu sei muito bem.]
E assim que eu me mudei pro bairro vizinho, quando você passou a tarde comigo e tocamos thinking out loud. [Digressão das coisas nunca ditas. Essa música tocou na Bauern, tava na moda, tão óbvio. Só pude pensar no que eu tava fazendo, a quem eu tentava enganar. A mim mesma? Sublimei, mais uma vez, mas nunca consegui.]
Depois que você foi embora, você tinha renovado o estoque absurdo de dopamina (você sempre faz isso, minha melhor droga é você), eu corri a orla toda até o final, malhei, voltei e escrevi o capítulo teórico inteiro da minha dissertação.
E todas as vezes que acordamos as pessoas com "atividades de adultos" hahaha às seis da manhã. [Manchando lençóis de suor e suco de laranja. E eventualmente de sangue.]
E fugidas no centro. As mesas enfeitadas por jarros translúcidos com flores na rua da quitanda.
E o dia que eu entrei no elevador do trabalho e tava um cheiro forte pra cacete do seu perfume. "Assim que eu chegar vou escrever pra ele que veio alguém aqui com o perfume dele".
Mas quando cheguei você tava lá, me dando aqueles segundos de ficar sem reação só te olhando [eu penso nisso, hoje, e me vêm seu cheiro, gosto e todas as exatas sensações, a felicidade absurda só de te ver ali em pé, costas perfeitas].
E quando você me deu o quadro "Make it happen" que você fez e quando eu mudei pra minha casa, você tava lá me esperando com pizza (quanto amor! pela pizza, claro) e eu mudei sem nada, praticamente só com o violão pra gente ficar lá tocando, isso era nosso. [Minha pronúncia péssima de francês, seus falsetes duvidosos.]
E o dia que eu cheguei, que a cama chegou, e você subiu com ela, montou, arrumou, a porra toda. Cheguei e te encontrei na minha casa, com a cama arrumada, tocando violão, nenhuma outra história de amor foi tão bem escrita quanto a nossa [desse dia aqui eu tinha me esquecido, que delícia ler/editar e lembrar, me encho de plenitude de novo, igualzinho].
E nossas conversas em livrarias, durante o almoço, você reclamando do meu prato de uma cor só e hot filadélfia. Até isso com ares de ficção, tudo sobre nós parece uma ficção mesmo. [Talvez tenha sido.]
E nossas brigas. Os 50 e tantos e-mails "no seu e-mail do trabalho" e você me salvando convertendo pdf pra mim.
E muitas brigas e ensaios de término (que só duravam o tempo de discutirmos durante o expediente, porque na saída já estávamos juntos, né, como se nada tivesse acontecido).
Uma mistura do seu excesso de omissões (eu odeio a dissimulação ariana) com o meu excesso de transparência [eu odeio o jeito como você sempre conseguiu tirar isso de mim], te falando todas as coisas que você preferia não saber.
E nosso desespero de nos perder, daí a insistirmos tanto que somos amigos. Somos amigos, acima de qualquer coisa, é o que somos e isso podemos ser pra sempre. Amigos porra nenhuma! Por mais que sejamos melhores amigos, nunca seríamos amigos, essa é a verdade, é só o nosso desespero em nos perder, repito.
[Aulas de canto e beijos com gosto de sorvete de baunilha.]
E lágrimas na praça da cruz vermelha pensando que só você entenderia tantas coisas, mas nós dois não podíamos, não devíamos. [Sei lá, quem somos nós pra nos castrarmos desse jeito, que merda.]
Como em tão pouco tempo tantos anos podem ter-se passado? [Ainda queimo, sem chalé na Itália, mas você de óculos sentado no chão comigo, nossa presença se bastando e parcas lembranças de vídeos de receita no YouTube.]
["Minha vida é chata", você dizia. A mesma coisa que repito hoje pra mim, sobre a minha. Imposto de renda e Tylenol, mais ou menos o padrão de todos os outros. Talvez a NOSSA vida fosse chata mesmo. Talvez a magia se acabasse. Talvez nos olharíamos com o olhar do tédio da rotina, limpar os pés no tapete, blusa manchada de desodorante, toalha semimolhada no varal de pé na sala em dia de chuva. Mas acho difícil. Acho que esses detalhes escreveriam nossos sonetos e pintariam nossos simétricos quadros. Nós dois, todas as asas do mundo. Todas as missões, todos os símbolos, todos os foda-se.]
Nós achamos que nunca apertamos o botão, até parece. Vejo a vida rindo de ladinho nos chamando de otários. Naïve, como você diria, sempre refinando, tão típico, a minha breguice vulgar - meu esboço.
Ah, puta merda, se eu sentisse tua pele de novo.
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Texto antigo, as inserções [] são de hoje, enquanto revisava pra postar. E talvez eu seja mesmo tudo de ruim que você sempre disse que eu não era, só fingia. Faz diferença? Makes me wonder.
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