Ir ao psicólogo pra quê, se não quero confiar em ninguém?, questionava a si mesma buscando em desespero uma resposta na sala vazia.
Vazia, alegoria perfeita de como se sentia. A solidão não é ma, há muito já se acostumara e acreditava até que gostava. Era o desamparo. O desamparo é o que massacra, a total certeza de que não há lugar para o qual voltar. E não havia.
Mas todas as pessoas têm, pensava; se iludia ou invejava, era impossível dizer ao certo. Nunca adotou o estigma de que "isso só acontece comigo", então questionava, sem dúvida nenhuma, questionava, era isso.
Como as pessoas viviam aparentemente felizes sorrindo em grupos? Não viam, não percebiam, relevavam, não se importavam? Não era possível que todos os males do mundo tivessem escolhido se acometer exclusivamente só a ela, isso não existe.
Brincava que era Lúcifer. Não o real, que sadismo cruel existir mais vida após esta. O da série, ela sentia que despertava o pior lado das pessoas, bastavam se aproximar e se mostravam. Se mostravam fácil, se mostravam rápido, se mostravam e não era surpresa mas surpreendia.
Vivia em negação, muda. Calada, aliás, apassivada, em vitrines compulsórias do deleite alheio. Todos nós somos um pouco bolinha de pingue-pongue dos outros, feliz é quem não sente a raquetada.
Alguém não sente a raquetada? Estamos todos fingindo que suportamos? Estamos todos fingindo que há muito já não enlouquecemos? Num canto de um muro mal rebocado, incompleto, mas impossível de escalar. Palavras sufocam pela prisão que fazem na garganta, os sentimentos que dilaceram são os mesmos que estagnam. Defectivos.
Acreditar é o que nos cura, por isso negar conforta tanto. Mas e quando negar é impossível? Quando não há corrimão ao qual se agarrar?
Até os relativistas se esquivaram, filhos da puta. Verdade. Uma palavra que não existe.
Mas dança frevo nas mentiras obscuras em que acreditamos. Naquelas em que queremos acreditar e, principalmente, naquelas em que precisamos acreditar.
Os fogos estouram em comemoração à suposta grande noite. Nenhuma noite é grande, em particular. Todas elas são. Infinitas, cíclicas, exaustivas. E, no entanto, são só desfechos.
Dos amores que nunca se concretizaram, daqueles para os quais nunca se doaria. Daqueles para os quais se doou, e sente o corte profundo do arrependimento, nada dói mais do que um dia ter esperado. A vida nunca aconteceria na projeção e, no entanto, é onde reside.
Desfechos dos amigos tão donos das próprias verdades que criaram mais feridas do que eram capazes de curar, dos parentes sob a terra que a criticaram por causa da tatuagem estúpida na perna, sem nunca terem realmente olhado para ela e visto a profunda cisão que carregava. Superfícies são bem mais interessantes de julgar.
Dela mesma, sempre dela mesma, por todas as coisas a que se submetera por medo. Mudanças doem, mais ainda pra quem sabe que o punhal já foi cravado e não se mexer preserva o sopro de vida.
Os fogos estouram em comemoração à suposta grande noite, é claro que a sala vazia nunca lhe daria resposta.
Eu não tenho que me curar do que não quero ser curada, discute um tanto esquizo com as respostas tão óbvias que a ela só resta ignorá-las.
Não tinha psicólogo, lógica, pai de santo, santo milagreiro. Ela não queria que as coisas fossem diferentes. A única coisa que ela queria era cumprir nosso destino comum e perecer em paz.
Paz. A afamada ilusão dos contrários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário