30.10.20

Romance

Chegando em casa, fim de noite, quase madrugada, me recosto na bancada sorvendo a noite temperada, a soberania dos pontos de luz da cidade e dos pequenos universos em cada um deles, e me ocorre essa nossa compulsória sujeição ao amor.

Essa coisa mágica que a gente se pergunta como pode ter acontecido em dois meses ou um pouco mais, como disse o Tiziano, se não aconteceu em três anos. Como você pode ter ficado dormente só porque viu ele entrar naquela sala em que você estava. Como o assunto pode ser tão fácil, o toque tão certeiro, o encontro tão intenso.

Sufoco o instinto de te procurar mascarando em outro alfabeto que sou louca por você com a transferência mais óbvia. Como o hambúrguer do dia anterior na geladeira. McDonald's, é claro, ápice desse sistema, marcando o contraste com a música ao fundo, que reflete o fundo dos meus pensamentos, aqueles que tenho fingido ignorar.

Eu já tinha começado a entender algumas palavras, a significar os sons e os movimentos arredios da tua língua, os teus sons, que passaram a preencher a casa e a mim.

Que contraste caber tanta poesia em uma materialidade sonora tão bruta. E que rapport cruel nós dois resistirmos tanto desse jeito.

Eu nunca tinha gostado dessas literaturas até você reescrever o sentido de todas as linhas no nosso beijo, até que os teus sons me mostrassem o sentido.

A água no corpo, o toque da coberta, o sussurrar dos ventos, de repente, tudo virou poesia.

No chão, não nossas forças, essas nós descobrimos como recarregar juntos. Nossas armas.

Durmo com a paz das certezas. Aquele tipo de paz.

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