Noite adentro de conversas ambíguas. Nada ébrio, me falta a escusa típica. É só um flerte, um passatempo nada condenável, ou nem isso, nada disso, me digo. Quem, assistindo a esses assuntos tão inocentes, diria o contrário?
Raspando a superfície da superficialidade. Ali, ainda, mas naquela pele fina da quase revelação. Não, claro que não me entreguei demais. Ainda consigo me safar com um "não era bem isso, veja bem".
Te visualizo com os olhos inquiridores e o sorriso sacana de canto de boca.
Eu, deitado no sofá, TV ligada em um arremedo de gourmetização dos clássicos programas de auditório. A trilha sonora nacional dos dias de ócio.
Você. Só de calcinha, de renda, claro, algo entre vermelho, vinho ou roxo, deitada de bruços, perto da janela, porque precisa da poesia da vista da cidade e da vida e dessas coisas todas, e porque tem um quê de exibicionismo pra algum vizinho desavisado que já perdeu o tino fácil contigo.
Eu tô nesse grupo, mesmo que do seu lado ainda mantenha a pose, quase indiferente. A fronteira bem mal demarcada do hábito de vestir personagens e de gostar de vestir alguns deliberadamente.
"Quanto mais sério você fica, é pior", você me sussurra com sotaque forte na minha mente, sedução de fêmea no cio, a tua personagem preferida.
Eu diria que é uma alucinação minha se não desse pra sentir daqui o cheiro que sobe da tua calcinha já colando molhada nos lábios.
Ou como se o jeito que você se aproxima e me abraça mais demorado do que deveria não prenunciasse que você vai montar em mim a qualquer momento e eu só pudesse me tornar um refém dos teus truques.
Como se sua vitória não fosse perceber os meus lapsos de me perder - por um segundo, um segundo apenas, um segundo que você não deixa passar - nas tuas raias.
A sua insistência em me enredar acaba comigo. E acaba comigo ver o quanto te enredo só com um boa-noite mais encorpado ou com um deslize mostrando que você conseguiu. A sedução é trocada. Embora mais comedida da minha parte, o que, no fundo, é descarado se pensar que te instiga mais.
Você abriu mão da quarta parede.
É assim que você passeia na minha mente.
Seminua, meia-luz, sempre um pouco ébria, sem precisar do entorpecente que for para isso, se embolando nos lençóis rindo do gozo de saber que faz os homens ficarem nas suas mãos.
É assim que eu te vejo, sempre assim. Com a aura magnética oscilando entre soberba e deboche.
Nada, nada ébrio. Te enredando em palavras e tons como se deixasse você me enredar. Dizendo pra mim mesmo que não é nada demais. E acordando no dia seguinte com a ressaca de você me fazendo puxar qualquer assunto fático que só grita o quão fundo eu deveria estar dentro de você agora.
A brecha foi o acaso do nosso encontro que nos deu. Nós dois sabemos que essa conexão pode ser forjada, mas, quando acontece, é isso, acontece, materializada ou não. Se eu ceder a ela e misturar nosso gosto, será que eu tô fodido do jeito que imagino?
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