21.1.21

Consolação - eu, inconsolável

A luz da Lua se apossa do meu quarto como se me convocasse para qualquer coisa longe daqui, das obrigações da realidade.

Olho seu charme minguante, fio de quem se esvai, pairando na direção da Consolação. Olho o relógio da Paulista da minha janela, essa linha reta que leva ao teu bairro e ao mesmo tempo me mostra o quanto conexão é relativo. Olho a Consolação, a mira óbvia, como se isso fosse um tipo de sinal que te materializaria agora, nos meus braços, mãos cravando minha pele, respiração pesada, gemido vacilante, prensando a bunda contra o meu pau dizendo que é minha.

As nuvens desenham finas um chão de deserto no céu. E penso nesses desertos de alma que ficamos nós dois desde que você decidiu que eu te dei um corte, que eu fui embora, que eu não te levei a sério.

As nuvens ralas que não conseguem esconder a Lua são a alegoria da minha paciência. Talvez fosse mais relevante se sequer existisse. Vontade de te sacudir, de te sequestrar, de te botar uma aliança no dedo e te dar meu sobrenome. Filhos com nomes em outras línguas, vidas de origens gritantes se alinhando com a cola do nosso sentimento.

Chame do que quiser, moça, eu nem acredito em destino. A vida que me estapeou dizendo que ele é a única verdade possível. Nós dois fomos levados a nós dois, como se todos os nossos passos conspirassem para aquele encontro. Você, suando frio e querendo fingir que não me viu. Eu, babando na versão fervilhante que você é da minha atriz preferida.

Da minha janela, tem um grande vão. De concreto e de vidas. E aí, na Consolação, a alta densidade só demarca esse nosso abismo. Você se afunda nas suas obrigações, e elas de fato te distraem de mim. Eu? Tive que chegar você pra lá pra conseguir sobrar um mínimo espaço para as minhas.

A Lua move as águas, na sizígia dos sentimentos. Nós somos água, dela constituídos. Você, mais ainda. Será que, no próximo ciclo, a gente se refaz, minha querida?

Dizem que o segredo é o tempo, a distração, conhecer pessoas, tocar os projetos. Mas como? O tempo parece ter feito você se sedimentar dentro de mim. A distração me leva até teu sotaque marcando a filosofia conservadora. As pessoas, tão iguais, todas elas, só servem pra eu me sentir em queda livre longe da tua expansão de alma. Tocar projetos? Na boa, o único projeto que quero tocar é o do nosso casamento.

E veja, então, o disparate da vida. É claro que você mora na Consolação. Já eu, de qualquer coisa perto disso tenho só um lampejo. A visão plana e superficial do teu bairro, de você. Consolo de fato seria se de novo eu me pegasse me desfazendo pelas tuas coxas.

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