21.1.22

Olhos de vírgula

Toca I don't wanna give somebody else the better part of me, e você me abraça. A meia-luz recorta os traços do seu rosto e mistura o reflexo da minha sombra me desenhando em você.

A gente se embala quase sem perceber em um ritmo outro, desses mundos paralelos recriados na nossa presença.

Você encosta sua testa na minha, seu cheiro já está tão dentro de mim que te sinto o gosto. Os lábios, a língua, os dentes.

Você para e me olha.

Teus olhos me derramam todas as palavras um dia lexicalizadas. Línguas catalogadas, universos inexplorados.

E então eu sei. Olhos de vírgula.

Pelo formato. O arco que te debruça sobre o mundo e virtua sua fração de realidade.

O arco apertadinho, as trocas minuciosamente pensadas. Tuas reservas e tuas ressalvas. Curvas de sentido, atalhos de sentir.

Por nós dois. Totalidade inconclusa, continuação interrompida. Por você.

E teus olhos, no meu corpo, de repente tracejam todos os teus mapas. E me abrem os teus caminhos.

Dispersa-se quem eu sou, e já não acho de mim o fio da meada. Me devoram estes oceanos: teus olhos de vírgula vacilando ao sabor dos ventos na arrebentação - as artimanhas minhas que te deixo revolver.

E essa parte, tão inabitada de mim, guardo nos teus tão expressivos silêncios. Você, um só comigo, encaixado em um mesmo espaço, me intercepta e me continua.

E se é a boca que conecta o mundo é porque veem errado em dizer. A boca, mesmo traiçoeira em atos falhos e retorções involuntárias, é sempre secundária aos olhos.

Permito-te.

Permito que me devores, que me tomes, que me tenhas. Sem uma palavra sequer. Todas foram insuficientes. Porque nenhuma nunca se fez necessária.

Olhos de vírgula, lábios de reticências.

Nenhum comentário:

Postar um comentário