2.2.22

Still loving you?

A banda tocava uma versão um tanto revoltada da balada romântica famosa, provável inspiração na releitura de Sonata Arctica. E esse tom falava muito mais com ela hoje do que a original. 

É claro que ela não "estaria lá", nunca fora dada a isso, não seria agora que o cenário seria diferente. Mas nem por isso deixava de haver uma peculiaridade ali.

Contra todas as probabilidades, ela sentia. Houve mais de um desses momentos de constatação, um tom um tanto adolescente com que falara consigo mesma: "É, eu gosto dele".

Mas era uma sujeirinha, e, naquele mar de aberrações que era sua vida, isso nunca seria nada. Só mais um ponto. Um pequeno ponto em meio a tantas coisas, tão maiores e mais invasivas, que logo se tornaria mais uma das suas tantas indiferenças.

Então como uma profecia autorrealizável, o único bar do tema na cidade pequena, em um manifesto sábado à noite pós-semana de feriado, foi brindada com mais do óbvio. A imagem dele surgindo na sua frente.

De início, sequer o identificou. Bar underground guarda mais do mesmo. Tal qual ela, a jaqueta e a bota óbvias, o mesmo delineado e lado de repartir o cabelo de todas as outras, ele era só mais um dos montes do tipo dele que se pega de pá nesses lugares.

Indiscerníveis, ambos, a menos pelo detalhe capcioso do destino: eles tinham acontecido um ao outro, e isso os destacava como diferentes naquele mar de iguais.

Então ela lhe sentiu o cheiro, mesmo que a distância impedisse que isso tivesse ocorrido em termos tangíveis. E chegou a quase lhe sentir o gosto, mas, versada que é em suas próprias recusas, conseguiu afastar as memórias sinestésicas antes, no erguer de copo com que o cumprimentou; corte, não convite.

"I would try to change the things that killed our love" um vocal rasgado a coloca de novo no show.

Mas sequer sabia dizer que coisas tinham sido essas, se é que havia. Talvez os dois, pelo motivo escuso que fosse, tivessem desistido fácil demais. Cedo demais. Sem sequer se darem tempo. Ou nunca quiseram se embolar com cronos de alguma forma, deixando todo o quadro agudo da "coisa" - o que quer que fosse - se dissolver por si mesmo.

Ela não sabia ao certo nem dela, não quis pensar nisso. Não ousaria gastar um sábado à noite com esse tipo de cogitação. Ela jamais se permitiria a isso, chegava a ser um ultraje que tais pensamentos, sozinhos-arredios, ali se insinuassem.

E percebe então a versão perspicaz, sem o "Your", em que se canta direto "Pride has built the wall so strong that I can't get through", como uma força superior e alheia, porque às vezes parece que é assim que funciona (ou é mais fácil? fácil não era bem a palavra ali, mas).

As coisas às vezes são tão bizarramente bilaterais que não dão margem para se apontarem dedos, e os próprios muros erguidos são os mais resistentes e inalienáveis.

Sim, cedera à cogitação. Merda. O terreno tão ingrato e sem volta da vulnerabilidade, essa maldita. Uma vez laçada por seu chicote, é impossível esquiva.

Então ela finge que aceita esta lama que a envolveu. Procura ele com o olhar. Isso é fácil, ele já a olha de volta, inquisitivo. O sorriso das falsas permissões que ela tanto ama e detesta, um mesmo sentimento não nomeado.

"This can't be the end" lhe fala. Essa ideia é só um lamento da carência, diria ele de um jeito muito menos poético, varrendo toda a sua fantasia, ensopando-a com as pitadas categóricas da realidade, o que faz com que ela feche o sorriso que trocaria, que não deu tempo sequer de se abrir de fato.

Então que assim seja, que o muro "so strong" lá fique. Ela não queria ultrapassá-lo. A conta há muito já fora encerrada, resta-lhe apenas levantar e ir embora.

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