No início, a inevitabilidade e a improbabilidade se deram as mãos. Minha inevitabilidade de te amar, tuas manias esquisitas, a hipocondria espalhafatosa, as piadas feitas de cara fechada, a mordida salafrária de lábio, os temas dramáticos no piano.
A improbabilidade total de você sequer me olhar desse jeito, universo oposto àquelas lutas que só você sabe como foi travar pra ser quem é. E, no entanto, tudo partiu de você.
A cantada infame no metrô, o convite - mais infame ainda - dissimulado pra uma saída como se fosse natural.
Nós dois, aparente antinaturalidade.
Te amar foi isso, acidente, desvio do esperado.
Do cumprimento grosseiro sem querer quando nos conhecemos até a forma como eu disse pela primeira vez que te amava.
Assim, do meu jeito torto, naquela música. Você tocava sem um minuto desviar de mim o olhar para o piano. Era Negue, do Nelson. Então você se levantou mal deixando eu terminar o refrão, puto por eu fazer aquilo assim, de forma tão leviana, justo depois da briga do final de semana anterior.
E ali eu soube que brigas por motivos esdrúxulos não passariam por cima de nós, no dia seguinte - como de fato aconteceu - estaríamos rindo bobos no seu carro pela simples presença de nós dois, tudo virando motivo de graça, de gozar a vida. O beijo de despedida-começo de dia sempre mais demorado do que nos prometíamos.
Mas eu soube também que tudo o que éramos, a identificação, a conexão, pior, a concretização, isso sim, meu amor, acabaria com nós dois. No fundo, o que nos apartou foi isto: meu medo, meu pavor de ver-nos acontecendo. Destruiu-nos sem a mínima piedade o próprio amor.
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