Acontecia às vezes de descobrirem a gente. O olhar de cumplicidade ou demorado demais ou babado além da conta. Alguma piada-referência que nos entregava. O tanto que a gente se falava só de olhar, tocar, só de estar perto, aliás, sem nem precisar cruzar olhares pra ter aquela telepatia.
Roupa igual sem combinar, bordões que você roubou de mim, trejeitos seus que assimilei (a maldita risada esquisita de nervoso... eu ainda detesto você por isso). Reações gêmeas por simples sintonia.
A gente só tentou negar uma vez, e a crise de riso que tivemos foi pior do que se tivéssemos escrachado qualquer coisa. "Ainda dá pra negar?", falei do alto de toda minha dissimulação, depois de você ter até saído de perto, vermelho. Foi aí que vimos que era impossível. Se soubessem, que assim fosse. Se falassem, que assim fosse.
Não havia grandes atentados que pudessem cometer contra nós além de fofoca, pensávamos. Acontece que amar nos deixou inocentes. Maldade alheia é invasiva, mais ainda quando se baixa a guarda por se achar indestrutível.
E era assim que aquele amor nos parecia.
É claro que eu queria não ter te amado. Amar é sempre a escolha mais difícil. Mas dava?
Não fosse você tão sério e fechado, jogado em você mesmo - meu quadro preferido, como sempre te disse - seria fácil. Não fosse você rabugento pelo mínimo motivo, não fosse tão crítico a tudo, não fosse um poço de chatices e reclamações.
Não fossem teus comentários completamente aleatórios, fazendo tudo virar piada, fazendo de tudo uma associação, dando novos sentidos a qualquer coisa.
Não fossem teus horários invertidos e as olheiras matutinas, não fosse o jeito de segurar a caneca de café e de criar trilha sonora e pausa dramática a troco de nada, sim, claro que seria fácil. Seria fácil demais.
Não fossem os graves - tão aveludados - e a desmunhecada, não fossem os trejeitos à la Liza Minnelli e à la Carmen Miranda. Não fossem as mãos macias e delicadas de pegada precisa e violenta.
Não fosse o jeito de me dar bom dia fingindo que não tinha dormido comigo, não fosse o jeito de me dar boa noite e continuar os assuntos "tirados do nada". E o beijo impossivelmente devastador. E o sexo mais devastador ainda. E todas as tuas proporções. Seria fácil, sim, seria. Mas era você.
E então era você me sorrindo os olhos atrevidos, chegando aqui em casa mal sustentando a cara de pau por dizer que resolveu dar uma passadinha aqui já que estava por perto, sendo que onde moro não tem porra nenhuma em volta e a rua ainda é sem saída...
Mas sem saída fiquei eu. Sim, te amar era meu único caminho, não foi à toa que aconteceu de cara, não foi à toa que reaconteceu todos os dias, quanto mais eu me aproximava e te deixava se aproximar. Te amar de um jeito tão nosso. Te querer a ponto de delirar madrugadas, remarcar trabalho pra te ver, inventar desculpas, inventar histórias... só pra te ter perto, comigo.
Eu nunca te omiti nada, nada disso lhe é surpresa. Mas talvez tantas tentativas de sufocar, de dizer pra mim mesma que não era possível, que não era isso, que não era assim, que não podia. Que um dia você, que um dia eu. Talvez isso lhe tenha chegado como omissão. E, nesse sentido, assino a sentença.
Recalcamento é também preservação, meu amor. E às vezes o fazemos por necessidade. Mas qual maldita necessidade me fez me esconder tão fundo e tanto? Qual maldita necessidade me arremessou nesse esconderijo em que, trancafiado no mais fundo do peito, tudo o que encontro - ainda - é você?
Nenhum comentário:
Postar um comentário