Foram vários momentos de quase, em que se a gente tivesse ignorado a razão por um segundo, só por um segundo, teríamos nos feito um ao outro muito antes de quando aconteceu.
O dia na coxia, que você fugiu do fosso do teatro e me achou, figurino pela metade, meio Valentina meio personagem, pulei no seu colo porque era como se nem houvesse outra opção, e demos aquele beijo que deveria figurar em proscênio sobre a ribalta, mas só nós dois sabíamos o quanto isso não nos era permitido.
O que deveria ser um "rápido antes que alguém chegue" me jogou em um estiramento de tempo tão grande, que seria difícil até perceber se nos conclamasse o terceiro sinal.
E teve o dia na aula, também, na sua aula. Eu fui tirar uma dúvida legítima contigo, e você me roubou um selinho, cara fechada de disfarces, como se nada tivesse acontecido, me deixando tão mole que tive que me apoiar na sua mesa.
E o dia nas cadeiras de um teatro ainda vazio, no fosso da orquestra, no mezanino, na comemoração que queríamos estar fazendo de outro jeito. E tantos, e tantos outros, em tudo o que parecia certo era só rasgar sua roupa, ali mesmo, onde quer que estivéssemos, mas que nos detivemos naquele um segundo para acatar os ditames sociais da boa educação e da moral.
Mas foi naquele "Quase um segundo" que aconteceu. Na voz do Ney, que viraria nossa música depois. Até então, fingíamos - muito mal - qualquer assunto que não nós dois. Mas "quais são as cores e as coisas pra te prender" nos implorava um ao outro. Então era sua boca, eram suas mãos, minha nuca, e seus olhos atrevidos te assinando no meu corpo.
No quarto, nada de lugar inusitado. No cenário banal, inusitados eram os atalhos nos quais nos percebíamos. Cílios postiços e lábios desbravadores, o sabor frutado do seu batom vermelho manchando sua boca em mim.
Desfilando devasso e fatal trajado com meu espartilho preto; teso, agressivo, dono. Te ver macho, em detrimento da afetação; te ver fêmea, em detrimento do viço. Ver-nos borrando fronteiras de todas as definições. Ver-nos assim, nossos.
E gozar nós dois, quem somos, zênites se desvanecendo em saliva e suor, eu tão tua no gemido em Fá sustenido.
Foram vários momentos de quase, à parte nossos muitos momentos de totalidade e expansão, talvez porque esse tenha sido o "resumo do réquiem" de nós dois, o quase, o limite da ruptura. E, no entanto, tão cientes de que nos restaria assim sermos: estranhos.
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